Thursday, November 16, 2006


Natalie Wood fotografada por Sam Shaw


Esplendor na Relva

Eu sei que deanie loomis não existe/
mas entre as mais essa mulher caminha/
e a sua evolução segue uma linha/
que à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste/
e embora eu não tenha a que tinha/
ao começar há pouco esta minha/
evocação de deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?/
(e aquela que no auge a não olhar/
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado ver o que ela era)/
Mas em deanie prossegue a primavera/
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo

Monday, November 13, 2006



Departed, Martin Scorsese

A mão seguríssima de Martin Scorsese não teme a liberdade dos actores: Jack Nicholson, Matt Damon, Leonardo di Caprio, Martin Sheen, entre outros, dão show para nosso deleite. Brilhante, mesmo para quem não gosta de filmes de gangsters!

Thursday, November 09, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=OEqAJGD582A

Prendinha de fim-de-semana aos gentis leitores

Desta vez, não é uma música. É um velho comercial da Cacharel que muito me fez sonhar durante a adolescência. Realizou-o a grande fotógrafa Sarah Moon. Enjoy it!


Prometes que me dizes este poema quando formos velhinhos?


WHEN YOU ARE OLD

WHEN you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim Soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.

William Butler Yeats

Wednesday, November 08, 2006

Aniversários

A 8 de Novembro de 1988 - faz hoje 18 anos, que passaram a correr - entrei, timidamente, na redacção do Diário de Lisboa para mostrar um punhado de textos sobre cinema. Fiquei, apaixonei-me pelo jornalismo e por aquele jornal, que foi o melhor e o mais fascinante de todos os títulos por onde passei. Hoje, a Inês, que é o que tenho de mais parecido com uma irmã, faz 30 anos de vida. Não receies a passagem dos anos. É ela que nos proporciona sensações maravilhosas como a de ontem à noite, quando nos comovemos durante o concerto do grande Chico Buarque, no Coliseu. Tanto mar!

Tuesday, November 07, 2006



Vila Viçosa

«Não sei porque Florbela cantou tão pouco a sua terra, que é tão inspiradora e cheia de prodígios. O coração turvado não tem folga para as memórias doces, nem da paisagem, nem dos hábitos. Mais ardentes fantasmas não há em Portugal como nesse lugar. O Condestável, o Duque D. Jaime, as suas loucuras e bravuras, a par umas das outras, que não se destriçam completamente. As freiras nas suas hortas e as cegonhas nos seus ninhos do choupo do Reguengo; e uma candura de ambições em que a vida se esgota e passa. No entanto, não é difícil supor Florbela naquela vila cortada de ruas estreitas, onde o luar caía em flecha; naqueles montados em São Bento onde se ergue o portão principal da tapada real.»

Agustina Bessa-Luís, Florbela Espanca

Friday, October 27, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=p790vmF1Ix8

Férias! Uma semaninha fora da repartição e dos seus nauseabundos aromas! Deixo-vos esta música que me diz tanto e um grande beijo.

Thursday, October 26, 2006

José Eduardo Agualusa

Ainda numa de lusofonia (o que raramente acontece, admito), gostaria de vos recomendar o último livro do angolano, José Eduardo Agualusa, Passageiros em Trânsito. São contos breves, muito bem escritos (como se impõe sobretudo num género breve, que desfiam as pequenas grandes histórias de anónimos cidadãos do mundo que se cruzam apenas por um instante.

Wednesday, October 25, 2006

João Ubaldo Ribeiro

Nostálgica de um pouco de sol, hoje fiz-me acompanhar do livro do escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro, Miséria e Grandeza do Amor de Benedita. E se não encontrei o dito sol, deparei, porém, com o prazer da língua portuguesa cozinhada como uma iguaria rara. Qus isto de se achar que o Português do Brasil é coisa de somenos, é pura ignorância da literatura brasileira contemporânea. Recomendo vivamente!

Monday, October 23, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=ddquVvGxTS8

Foi você que me chamou pop girl...?
Uma Verdade Inconveniente

Não é um filme cómodo, mas é infinitamente pedagógico. Uma Verdade Inconveniente (em exibição no Nimas, em Lisboa) mostra como, por ignorância e leviandade, estamos a arruinar a nossa qualidade de vida e a comprometer o futuro das gerações seguintes. Al Gore, antigo vice-presidente dos Estados Unidos e concorrente derrotado de Bush em 2000, chama a atenção para a «ameaça terrorista» inerente ao aquecimento global: verões cada cada vez mais violentos; fenómenos meteorológicos mais extremos como o furacão Katrina; centenas de animais mortos devido a alterações drásticas no seu habitat. Não acreditem quando vos disserem que é uma fase e que isto depois passa.

Friday, October 20, 2006

Maria Antonieta, parte II

As expectativas eram tantas que fui ver o filme ontem mesmo, na estreia. Mas não gostei particularmente. Beleza plástica à parte (o que não é favor nenhum quando é permitido filmar em Versailles e no Trianon), Sofia Coppola não teve o engenho de fazer mais do que uma reconstituição linear da vida da trágica Rainha até à eclosão da Revolução Francesa, seguindo a par e passo a biografia feita pela historiadora Antonia Fraser. Não teve a ousadia de defender até ao fim aquela que parece ser a tese do filme: a de que Maria Antonieta foi a primeira estrela pop de sempre, pelo grau de exposição a que a sua breve existência esteve sujeita. Sofia sugere-o com a excelente banda sonora (em vez de música barroca, temos Siouxsie & The Banshees, the Strokes, New Order, Air e The Cure) mas a subversão do género histórico acaba nesse ponto. Intui-se que a cineasta concebe Maria Antonieta como um ser algures entre Jackie Kennedy e Kate Moss, mas faltou-lhe o golpe de asa para sustentar esse paralelismo durante todo o filme. E é pena.

Thursday, October 19, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=_s1YngtN3y4

Marie Antoinette (a propósito da estreia do filme de Sofia Coppola, hoje, dia 19, em Lisboa

«Só é ferido pelo destino quem não se soube dominar; em toda a derrota há um sentido e uma falta», escreve Stefan Zweig, na frase com que se propõe resumir a trágica existência da Rainha que a França fez guilhotinar a 16 de Outubro de 1793. Filha de um animal político como foi a Imperatriz Maria Teresa de Áustria, a jovem arquiduquesa sempre enjeitou os ensinamentos de uma instrução séria. Casada – como todos os príncipes do seu tempo – para responder aos interesses diplomáticos da dinastia em que nascera, foi com desgosto que se sujeitou às lições de um preceptor francês que procurava familiarizá-la com a História, a Literatura, os usos e costumes do país onde seria chamada a reinar. Igual destino teriam os insistentes conselhos da mãe, ainda em Viena e depois enviados por carta para Paris, quase todos relativos a questões de política externa e, sobretudo, ao que os súbditos esperam do comportamento duma Rainha de França. Volátil, Maria Antonieta desliza de divertimento para divertimento. Perspicazes como só as crianças conseguem ser, os filhos haveriam de lhe conceder o título de «Mousseline, la Sérieuse».
Neste frenesim de prazeres, Maria Antonieta esquecia talvez o desgosto de ver destroçados os seus sonhos de menina. Indolente e taciturno, Luís XVI estava longe de corresponder ao que habitualmente se espera de um príncipe encantado.
As nuvens começaram a avolumar-se muito antes de irromper a borrasca. A partir de 1785, o povo de Paris começa a murmurar gravemente sobre o comportamento da Rainha. Chamam-lhe devassa, tirânica, excessivamente despesista e sem qualquer contemplação para com as reais necessidade da França. Ocasionalmente recordam-lhe que é estrangeira, chamando-lhe «a austríaca». Finalmente, resumem todas essas acusações no título que soará já como uma ameaça: «Madame Deficit».
A 14 de Julho de 1789, a tomada da prisão da Bastilha, torna-se um símbolo da irreversibilidade do processo revolucionário. E é então que, ao sentir-se ameaçada, o carácter de Maria Antonieta conhece uma transformação, unanimemente reconhecida por todos os historiadores. Mousseline, la Sérieuse cede lugar a uma heroína trágica, que responde à gravidade dos acontecimentos com uma determinação que antes só colocara na escolha das toilettes. Deposta, presa no Templo, com toda a família, Maria Antonieta será sucessivamente confrontada com a execução do marido (a 21 de Janeiro de 1793), a separação dos filhos e um processo vergonhoso em que, para além de ser acusada de alta traição e conluio com as potências estrangeiras, a fazem ouvir que teria iniciado o Delfim, seu filho, em jogos sexuais. Indignada, a Rainha apela às outras mulheres presentes no tribunal, algumas das quais não ocultam a emoção. Apesar da defesa vigorosa que soube apresentar, a sentença de morte é conhecida às 4 da manhã de 16 de Outubro de 1793 e posta em prática horas depois, nesse mesmo dia. Prematuramente encanecida – só conta 38 anos incompletos – enfrenta a morte com uma serenidade que se tornou lendária. Recusa o serviço espiritual do sacerdote constitucional com que a nova ordem revolucionária substituira os padres católicos e emudece a turba que se juntara para assistir à execução. Estava consumado o turbilhão que fora breve a sua existência. Sofia Coppola considerou-a tão exemplarmente contemporânea que não hesitou em fazê-la rodopiar ao som dos New Order.

Tuesday, October 17, 2006



Penélope posta em desassossego

Já vos falei de Son de Mar, de Manuel Vicent, que trouxe de Madrid. Terminada a leitura, digo-vos que é um dos melhores livros que li nos últimos (largos) meses. Muito bem escrito e estruturado, conta a belíssima história de paixão entre um professor de Literatura Clássica, Ulisses de seu nome,e sua mulher Martina. Ela ama-o até à loucura, ele só sabe que a ama na mesmíssima proporção depois de se perder dela e da sua antiga vida, mundo fora. Regressa ao cabo de dez anos, em que, tendo-o julgado morto, Martina e a aldeia lhe fizeram o funeral, adaptando-se aos novos tempos. O reencontro estará à altura da grandeza das personagens.
Só uma dúvida me aflora o espírito: e se, um dia destes, um escritor (ou uma escritora) criar uma Ulisses, uma mulher que necessite de se perder no mundo para saber que o homem da sua vida fora o que deixara em terra? Cairiam os alicerces da civilização ocidental?

Friday, October 13, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=WwxdydRpjFw

A teu pedido, «red rose of all my days»

Thursday, October 12, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=NwoJNYz09zc

Este fim-de-semana será glamorous.

Wednesday, October 11, 2006

Son de Mar

Se outra coisa não proporcionasse, Madrid seria sempre uma cidade de descobertas. Neste momento, ando a deliciar-me com o livro de Manuel Vicent, Son de Mar (edição Santillana, 1999). Dou-vos a provar este «cheirinho»:

«Las terrazas de los cafetines del puerto estaban pobladas de veraneantes con la tripa al aire rodeados de madres que tiraban de los carritos de bebés sobre envases pringados con restos de helados y había llantos de algunos niños, gritos de muchas pandillas adolescentes que lamíam algodones de azúcar y estruendo de tubos de escape de las motos que cruzaban. Algunas ventadas del siroco se llevaban este jolgorio de la tarde de domingo hacia las afueras del barrio marinero y por la pinta de la escollera se perdía en el mar y con el viento se alejaban también las melodías de amor que cantaba el vocalista entre solos de trompeta. Era la mitad de agosto. El verano non havía entrado aún en melancolía e aunque ése había sido un día aciago en que havía finalizado una historia de pasión, la gente bailaba, escupía pipas de girasol, tomaba cerveza, sudaba y era feliz sin importarle nada que no fuera vivir ese instante (...)»

Wednesday, October 04, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=5gNkp_RtL_4

Este fim-de-semana será em Madrid

Monday, October 02, 2006



Para o «Asinhas»

Com um brilhozinho nos olhos

Com um brilhozinho nos olhos
corremos os estores
pusemos a rádio no "on"
acendemos a já costumeira
velinha de igreja
pusemos no "off" o telefone
e olha, não dá p'ra contar
mas sei que tu sabes
daquilo que sabes que eu sei
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos parados
depois do que não te contei

Com um brilhozinho nos olhos
dissemos, sei lá
o que nos passou pela tola [o que nos passou pelo goto]
do estilo és o "number one"
dou-te vinte valores
és um treze no totobola [és o seis do meu totoloto]
e às duas por três
bebemos um copo
fizemos o quatro e pintámos o sete
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos imóveis
a dar uma de "tête a tête"

Sérgio Godinho

Friday, September 29, 2006



A mais importante lição

Creio que já vos confessei a minha predilecção pela escritora britânica A.S.Byatt. Deixo-vos aqui um belo excerto do conto «Christ in the House of Martha and Mary», inspirado no quadro de Velásquez com o mesmo título:

«You are very young, Dolores, and very strong, and very angry. You must learn now, that the important lesson - as long as you have your health - is that the divide is not between the leisured and the workers, but between those who are interested in the world and its multiplicity of forms and forces, and those who merely subsist, worrying or yawning. When I paint eggs and fishes and onions, I am painting the godhead - not only because eggs have been taken as an emblem of the Resurrection, as gave dormant roots with green shoots, not only because the letters od Christ's name make up the Greek word for fish, and the true crime is not to be interested in.»

Thursday, September 28, 2006

Coffee...Tea...Me?

http://www.youtube.com/watch?v=DfyeXrdZZ1o

Monday, September 25, 2006

This Is My Letter To The World

This is my letter to the world,/
That never wrote to me,/
The simple news that Nature told,/
With tender majesty.

Her message is committed/
To hands I cannot see;/
For love of her, sweet countrymen,/
Judge tenderly of me!

Emily Dickinson

Friday, September 22, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=17M6xZkko8Q

Um cheirinho a anos 80 para vos desejar um bom fim-de-semana!

Thursday, September 21, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=uxX8f6sVOOw

Contos para as noites de Inverno, prestes a começar
O Monte dos Vendavais, de William Wyler (1939), acompanhado com música de Kate Bush
(um dos filmes da minha vida)

Wednesday, September 20, 2006



Las Vegas shoes
Não sou uma mocinha fútil. Ocasionalmente tenho as minhas debilidades por uma peça ou outra, mas uma educação de raíz católica vigia de perto os mais perigosos laivos de coquetterie. Ou melhor vigiava porque, durante umas férias no Algarve, descobri os meus Las Vegas Shoes (estes objectos absurdos que vêem na foto). Mais importante foi descobrir o seu poder quase mágico. Envolvo o peito do pé, sinto o cetim pela perna acima, deixo o calcanhar a descoberto e, eis-me, preparada para enfrentar o mundo. Mesmo que as costas doam horrores , subir bruscamente 15 cm é coisa capaz de reduzir a pó quaisquer complexos herdados da idade do armário. Na manhã em que tomei a coragem suficiente para os levar para a repartição, descobri que Carrie Bradshaw, a viciada em Manolos Blanikh de Sex and the City, tivera sempre razão: o uso de saltos vertiginosos não dispensa a leitura de Dostoievski, mas torna-a muito mais excitante. Que o diga o melhor amigo dos meus Las Vegas shoes...

Thursday, September 14, 2006



Poema/oração

Creio nos anjos que andam pelo mundo,/

Creio na Deusa com olhos de diamantes,/

Creio em amores lunares com piano ao fundo,/

Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,/

Creio num engenho que falta mais fecundo/

De harmonizar as partes dissonantes,/

Creio que tudo é eterno num segundo,/

Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,/

Na flor humilde que se encosta ao muro,/

Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,/

Na ocupação do mundo pelas rosas,/

Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen

Natália Correia

Wednesday, September 13, 2006



Fado do encontro

Vou andando/

Cantando/

Tenho o sol à minha frente/

Tão quente, brilhante/

Sinto o fogo à flor da pele/

Tão quente, beijando/

Como se fosses tu

Ao longe/

Distante/

Fica o mar no horizonte/

É nele, por certo/

Onde a tua alma se esconde/

Carente, esperando/

Esse mar és tu

Pode a noite ter outra cor/

E o vento ser mais frio/

Pode a lua subir no céu/

Eu já vou descendo o rio...

Na foz/

Revolta/

Fecho os olhos, penso em ti/

Tão perto/

Que desperto/

Há uma alma à minha frente/

Tão quente, beijando/

Por certo que és tu

Pode a lua subir no céu/

E as nuvens a noite toldar/

Pode o escuro ser como breu/

Acabei por T'encontrar

Vou andando/

Cantando/

Tive o sol à minha frente/

Tão quente, brilhando/

Que a saudade me deixou/

Para sempre.

Por certo/

O meu Amor és tu.

Tim
Cantado em dueto por Tim e Marisa.Do album a solo de Tim - Um e o outro.

Friday, September 08, 2006




98 Octanas, de Fernando Lopes, estreia na próxima 5ªfeira, 14.

Com Carla Chambel, Rogério Samora e Márcia Breia. Porque depois de O Delfim nunca mais perdi um filme daquele realizador.

Tuesday, September 05, 2006

Obra-prima!

O que dizer sobre um filme (um livro, um quadro, uma peça musical…) que, à partida, integramos na muito exclusiva categoria das obras-primas? Como justificar a ousadia, sobretudo quando – como é o meu caso – se desconfia deste substantivo demasiado adjectivante, pelo que contém de excesso e o, que é pior, de definitivo? E, no entanto, persisto na intenção do título desta crónica: Volver, é uma obra-prima, a primeira que me foi dada a ver em cinema nos últimos anos, talvez desde o penúltimo filme de Almodóvar, o muito aclamado Hable con Ella.
Tenho uma predilecção particular pelo realizador espanhol? Admito que sim. Gosto muito da maneira única como sempre geriu a ténue linha que separa a tragédia extrema da comédia do absurdo, mas gosto ainda mais desde que passou a ocupar-se com maior atenção do lastro agridoce que o passado vai deixando nas vidas de todos nós. Fê-lo no seu filme anterior, Má Educação, em que, como estarão recordados, abordava a amarga herança que um jovem homossexual trouxera do seminário em que fora criado. Falou-se, na altura, de ajuste de contas de Almodóvar com a Igreja Católica, mas, como sempre acontece com o seu cinema, é impossível reduzi-lo a chave tão simplista.
Volver é, se quisermos, a outra face ou o corolário lógico de Má Educação. Raimunda (Penélope Cruz) e Sole (Lola Dueñas) são duas irmãs na «casa» dos 30 anos que se mudaram para Madrid depois de uma infância numa pequena aldeia de Castilla de La Mancha, por sinal, a localidade do país em que, por causa do vento leste, se regista maior número de casos de loucura. Os pais morreram abraçados durante um dos muitos incêndios que, uma vez mais por causa dessa estranha propensão para a ventania, fustigam a região. Movidas pela responsabilidade para com vivos e mortos, as duas deslocam-se regularmente à aldeia para limpar a campa dos pais, cuidar de uma tia velha e ouvir histórias de assombrações. A mais recente sugere que quem, na verdade, trata da senhora, cega e senil, é o espírito da irmã (mãe das duas), tão lesto na limpeza do casarão como no uso de uma bicicleta de ginástica.
Superstição ou não, a verdade é que a morta (fabulosa Cármen Maura) faz tudo isto e muito mais, incluindo regressar para resolver um passado que volta sempre, independentemente das lápides que o cobrem. Mais do que reclamar justiça, volve porque aprendeu que não vale esconder o lixo debaixo do tapete. Aos 57 anos (vão longe os anos loucos da movida madrilena), Almodóvar dedica-se, assim, com a sensibilidade e a inteligência que o caracterizam, ao tema das raízes e à criatividade de Deus (ou de algo por ele) no uso das suas linhas tortas. Já o esboçara em A Flor do Meu Segredo (uma sofisticada escritora de Madrid, em plena panne criativa e conjugal, regressa ao pueblo onde nasceu para não «sentir como uma cabra sem badalo») e também em Tudo sobre a Minha Mãe (onde uma mulher irremediavelmente dilacerada pela morte do filho viaja de Madrid para Barcelona, com o objectivo de ajustar contas com esse passado que talvez não volte mas magoa indefinidamente) e desenvolveu-o amplamente em Má Educação. Com Volver, o realizador procurou – assim o afirmou em diversas entrevistas durante a preparação do filme – reconstituir a Castilla de La Mancha da sua infância, onde nos pátios dos casarões, as vizinhas sussurram experiências com o sobrenatural, acompanhadas apenas pelo zunzum de leques freneticamente agitados. Fazem-no ainda hoje (como as mães antes delas e avós antes destas), mesmo que agora (como Almodóvar mostra num dos planos mais irónicos do filme) tenham de partilhar o espaço com netas adolescentes mais interessadas na troca de SMS’s do que em manifestações do oculto. Como boa parte da filmografia do cineasta, Volver é também a homenagem a uma Espanha eterna que subsiste nas «cores de Almodóvar» de que fala a canção de Adriana Calcanhoto e na vivacidade da linguagem das mulheres, não obstante todos os índices de modernização que hoje fazem do país uma potência em crescimento. Melhor ainda: como todos os artistas que mergulham sem complexos no que é local, Almodóvar sabe ser universal. Mais do que uma homenagem à Espanha eterna, Volver constitui uma exaltação do que há de eterno na Europa mediterrânica (a que Portugal pertence, pelo menos do ponto de vista cultural). Olhamos Raimunda, a bela morena a braços com o preço da sua sensualidade, e vemos as divas do cinema clássico italiano: Loren, Cardinalli e, sobretudo Ana Magnani, como Almodóvar nos confirma no remate do filme. Estão lá: no olhar magoado, na altivez do porte, no fazer das fraquezas força. Olhamos aquelas vizinhas e reencontramos as nossas avós, de negro vestidas como a moral católica mandava às viúvas, a desfiar histórias de pasmar, pela noite dentro. A uma obra-prima não basta a excelência técnica – é preciso que implique e envolva o espectador. E Volver não é outra coisa senão o filme de todos nós.

Wednesday, August 30, 2006




Olhares que o cinema imortalizou



























Um doce a quem os identificar a todos.

Monday, August 28, 2006

A luz é ainda mais maravilhosa quando saimos de um túnel muito comprido.

Thursday, August 24, 2006

Oração pela paz interior
«Dai-me, meu Deus, resignação para aceitar o que não posso mudar; coragem para mudar o que está ao meu alcance e discernimento para distinguir entre os dois.»

Tuesday, August 22, 2006

Contamos ansiosamente os dias: a 7 de Setembro, Volver, de Almodóvar, estará nos cinemas portugueses.

Monday, August 21, 2006


La mirada

Poder-se-ia escrever um poema inspirado na intensidade deste olhar. É do actor francês Louis Garrel, nascido a 14 de Junho de 1983, provavelmente a estrela mais recente do cinema europeu que, como se sabe, não as tem em abundância. Depois da fulguração de The Dreamers, ei-lo de volta em Os Amantes Regulares, realizado pelo pai, Philippe Garrel, em exibição no King. A fotografia a preto e branco confirma-lhe a presença e o romantismo.

Thursday, August 17, 2006

Happy Birthday, Penguin Books!

Um livro ao preço de um maço de tabaco: foi com este «ovo de Colombo» que o editor inglês Allen Lane criou a Penguin Books, consumando a chamada «revolução do paperback». Corria o ano de 1935 e, regressado de um encontro com Agatha Christie, Lane descobriu, com espanto, que a loja da estação ferroviária em que ia embarcar não tinha qualquer edição «portátil» da que era já uma das escritoras mais conhecidas da Grã-Bretanha. Decidido a mudar este panorama, apostou na criação de uma nova chancela que pusesse a grande literatura ao alcance de todas as bolsas. Assim nascia um autêntico império que, hoje, quando comemora 70 anos de existência, está espalhado por 13 países (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia, Índia e África do Sul), emprega cerca de 4 mil pessoas e apresenta receitas anuais na ordem dos 700 milhões de libras.
O irresistível sucesso da marca é tão mais surpreendente quando esta nasceu num mundo totalmente diverso do nosso, em condições que hoje despertam um sorriso. Ao decidir dar-lhe o nome de Penguin, Allen Lane mandou um funcionário ao Zoo de Londres para fazer uma série de estudos de pinguins. Dessa tarefa resultaria um dos logótipos mais conhecidos pelos leitores de todo o mundo. Ao módico preço de seis pences, a nova editora publicaria, logo no primeiro ano de funcionamento, uma vintena de livros, em que avultam Farewell to Arms, de Hemingway; The Misterious Affair at Styles, de Agatha Chistrie, The Thin Man, de Dashiell Hammett e The Edwardians, de Vita Sackville-West.
O sucesso foi tal que, em 1937, a Penguin criaria uma sub-empresa – a Pelican Books – vocacionada para leituras de carácter pedagógico, como, aliás, ficava demonstrado logo com o primeiro título da colecção: The Intelligent Woman’s Guide to Socialism and Capitalism, de George Bernard Shaw. Seguir-se-ia, em 1945, a abertura da colecção de clássicos da Literatura Mundial (the Penguin Classics) com a tradução da Odisseia, de Homero, por E.V.Rieu. Nesta série – totalmente reeditada no ano passado, por ocasião do seu 60ºaniversário – saíram, entre dezenas e dezenas de títulos, a Bíblia e a Epopeia de Gilgamesh. Viriam ainda a Puffin Books (para a literatura infanto-juvenil), a Allen Lane (para o ensaio), a Penguin Special (para o ensaio político) e a Peregrine Books (para guias de viagens).
Não se pense, porém, que os responsáveis da Penguin jogaram sempre pelo seguro. 1960 ficará na História da editora como o ano em que pôs à venda O Amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence. Apesar de escrito em 1928, dois anos antes da morte do escritor, o romance permanecia inédito na Grã-Bretanha devido à alegada obscenidade da sua temática (uma mulher da nobreza que procura fora do casamento a satisfação sexual que o marido não lhe proporcionava). Não seria a última vez que a Penguin enfrentaria as morais estabelecidas: no final dos anos 80, ocorreria nova polémica com a publicação de Versículos Satânicos, de Salman Rushdie. Foi o pranto, o ranger de dentes e uma chuva de ameaças entre algumas facções islâmicas radicais. Apesar das agressões cometidas contra alguns tradutores da obra fora de Grã-Bretanha, e mesmo uma tentativa de assassinato contra o seu editor norueguês, William Nygaard, a Penguin não mudou de rota. Também, no mercado livreiro, o «espectáculo» não pode parar.

Wednesday, August 16, 2006



Noite à italiana

Foi uma belíssima noite de sábado, feita da terna cumplicidade entre dois amigos que se descobrem. Tudo sob o mote da Itália, da pasta ao café, culminando na obra-prima de Antonioni, Profissão: Repórter, que está em exibição no Nimas.

Recomendo-vos vivamente. Trata-se de um road movie (género pouco habitual fora do cinema americano) em que o protagonista (interpretado por um ainda jovem Jack Nicholson) se aventura na perda de si mesmo, assumindo a identidade de um desconhecido. Tentador? Parece que sim. Farto de entrevistar, com falinhas mansas, tiranos & outros medíocres, desmotivado por um casamento sem chama, o nosso herói procura, assim, recomeçar do zero. Troca de passaporte com um morto e esconde-se pelas estradas de Espanha - de Barcelona ao extremo sul. Mas consigo carrega um novo fardo que não pode compreender. Belíssimo!

Thursday, August 10, 2006



Hot Summer in the city

Ao contrário do habitual na chamada silly season, os cinemas de Lisboa apresentam este Verão vários motivos de interesse. A saber:

1) Profissão: Repórter, no Nimas. Michelangelo Antonioni é o último sobrevivente da geração de ouro do cinema italiano constituída por Visconti, Rossellini, Fellini e Ettore Scola. Este filme, da década de 70, traz-nos um dos pontos altos da carreira do cineasta e traz-nos um Jack Nicholson ao seu melhor nível.

2) Miami Vice, de Michael Mann. Confesso que nunca pensei ir ao cinema ver tal coisa. O título evocava-me o horripilante Don Johnson enchumaçado e de penteado à Cais do Sodré. Mas estava rotundamente enganada. Embora Colin Farrell mantenha o look, o filme é uma das melhores obras do ano. Não admira: na filmografia do seu autor constam títulos maiores do cinema de acção como Heat ou Colateral.

3) Diz-me o meu amigo Thiago que o filme de animação O Fio da Vida é um deslumbramento. Como os conselhos dos amigos são os únicos que sigo, lá estarei, no fim-de-semana, no Alvaláxia (argh...) para partilhar do seu encantamento.

Tuesday, August 08, 2006





Mulher em viagem

O que mais aprecio na livraria Galileu, em Cascais, para além do cavalheirismo do seu proprietário, é a capacidade de nos surpreender com promoções sempre diversas. No domingo passado, depois de um banho de mar, encontrei um livro de contos de uma das minhas autoras de eleição: a britânica A.S.Byatt, autora de Possession, que já foi adaptado ao cinema, e lhe valeu o Booker Prize.
Na mala de mão trago agora Elementals - Stories of Fire and Ice e estou a ler o primeiro conto, «Crocodile Tears». E posso dizer-vos que cada frase é uma revelação que me diz muitíssimo:

«She has though abou this before. Vanishing without trace was an idea that had teased through all the happy years of her married life, her working life. The idea that it was possible to vanishm that there was nothing ineluctably necessary about her work, or her home, was a condition of her pleasure in those things.»

Friday, August 04, 2006





Filosofia, nossa amiga


«Mas a coisa mais importante nesta minha arte é poder, em todas as situações, saber se a mente está a dar-me uma mera imagem, uma impostura ou um filho real e genuíno.», Platão


«Assegurar a felicidade própria é um dever, pelo menos indirectamente; pois que o descontentamento com a própria situação pessoal, sob a pressão de diversas angústias e de desejos insatisfeitos, pode facilmente transformar-se numa grande tentação para transgredirmos o dever.», Kant

fotos de Sarah Moon





Thursday, August 03, 2006

Nós e os outros
«A natureza entendeu que não precisaríamos de grande preparo mental para vivermos felizes; cada um de nós é capaz de forjar a sua própria felicidade (...) Tudo o que é bom para um homem não pode ser afectado pelo poder dos outros homens.»
Séneca

Thursday, July 27, 2006

pintura de Georges Seurat

«Deus enrolava-nos vagarosamente/
para acabarmos entre os seus dedos./
A esse seu prazer chamou tempo/
E onde havia dor nasciam cigarros./
Pensou no fogo como sendo belo/
de modo a morrermos maravilhados.»
Paulo José Miranda, O Tabaco de Deus, pág.11;

Monday, July 24, 2006

Diários da Bósnia, de Joaquim Sapinho
Não é um grande filme mas é um documentário sério sobre o que ficou da Bósnia após uma guerra crudelíssima. Uma obra contra o esquecimento, a que, infelizmente, são tão dados os europeus. Pessoalmente, saúdo uma das poucas vezes em que um realizador português sai do rincão doméstico e se preocupa com os problemas do mundo.

Wednesday, July 19, 2006



A propósito de Os Piratas das Caraíbas, que estreia amanhã, 5ªfeira, nos cinemas de Lisboa

O cinema contribuiu para o estranho fascínio exercido, ainda hoje, pelos piratas. Em primeiro lugar porque, ao contrário do que acontece nos westerns, Hollywood atribuiu-lhes uma qualidade de contra-poder, mostrando-os como o ladrão que roubava a ladrão e que se, não obtinha cem anos de perdão, conquistava, pelo menos, a simpatia dos espectadores. Esta opção torna-se muito evidente em filmes como The Spanish Main ou em Captain Blood. No primeiro caso, Van Horn ter-se-á tornado o «terror das Caraíbas» após prolongada sujeição à tortura infligida pelo governador espanhol de Cartagena de las Indias. No segundo, Peter Blood, um médico inglês condenado à escravatura por um crime que não cometeu, torna-se, por desespero, um pirata que trata com humanidade e alguma democracia a turba que comanda. Esta representação do pirata como vítima do sistema que o marginalizou é levada às últimas consequências em Tempestade na Jamaica, de Alexander MacKendrock (1965), em que o grupo de piratas liderado pelo Capitão Chavez (Anthony Quinn) é traído pelas crianças de que tinham cuidado com inesperados desvelos.
Na maioria dos filmes do género, esta generosidade mal orientada será devidamente recompensada com a redenção. O que, para gáudio das plateias, acontece graças a uma menina tão virtuosa quanto determinada a não se submeter à abordagem do pirata. Se resistia à primeira bofetada, então é certo que o marinheiro chegaria a bom porto. Autoproclamando-se bom conhecedor da psicologia feminina, Jamie Boy (Tyrone Power, em The Black Swan), adverte a sua ruiva temperamental (Maureen O’Hara) que «em Tortuga [autêntico ninho do piratas no mar das Caraíbas], quando uma mulher esbofeteia um homem, isso significa que ela quer que ele a domine completamente e a cubra de beijos».


A propósito deste tema que, confesso, me é caro, gostaria de recomendar a leitura de Os Piratas - Piratas, Flibusteiros, Bucaneiros e outros Párias do Mar (edição Antígona). Da autoria do ensaista francês, Gilles Lapouge, é um texto cativante sobre a pirataria, quer do ponto de vista historiográfico, quer ensaistico. Para além de evocar as muitas aventuras de temíveis criaturas como o Capitão Morgan ou Anne Bonnie, esta obra reflecte de forma muito bela sobre este fenómeno: «O pirata é um homem descontente. O espaço que lhe consentem a sociedade ou os deuses parece-lhe exíguo, nauseabundo, desconfortável. Sujeita-se por uns breves nos e depois diz "estou farto" e recusa-se ao jogo».

Thursday, July 13, 2006



Arte russa em Bilbao

Bilbao está ao «virar da esquina» (não estou a brincar, a Iberia tem, de facto, umas tarifas muito convidativas) e a exposição «!Russia», patente até 3 de Setembro no Guggenheim, vale a viagem. Dos ícones medievais à actualidade, passando pela interpretação da tradição pictórica europeia nas cortes dos primeiros Romanov e pela arte do período revolucionário, muito há para ver numa viagem que demora uma tarde bem passada.



Flannery O'Connor
(1925-1964)
«Oiça Mr Shiflet», disse ela, «o meu poço nunca seca e a minha casa está sempre quente no Inverno e nada neste sítio está penhorado. Vá ao tribunal e veja por si próprio. E debaixo daquela cabana tem um belo automóvel» estendeu o isco com cautela. «Pode tê-lo pintado até Sábado. Eu pago a pintura».
Na escuridão, o sorriso de Mr. Shiflet esticou-se como uma cobra fina a acordar junto a uma fogueira. Ao fim de um segundo recompôs-se e disse, «Estou só a dizer que o espírito de um homem vale mais para ele do que qualquer outra coisa. Teria que levar a minha esposa a passear pelo menos um fim de semana, sem me preocupar com os custos. Preciso de seguir o meu espírito para onde ele quer ir».
Flannery O'Connor, Um Bom Homem é difícil de Encontrar, pág. 23;

Tuesday, July 11, 2006

A vida secreta das palavras
Almodóvar à parte, o cinema contemporâneo espanhol não goza de grande popularidade entre nós. Juntemos-lhe o burburinho causado pelo Mundial e é de prever que o belíssimo filme de Isabel Coixet, A Vida Secreta das Palavras, passe despercebido. E é pena e é injusto, sobretudo para quem não se der ao trabalho de o ir ver. Com mão seguríssima, a realizadora conta uma história (ou várias numa só) de prova e redenção sem glosar lugares-comuns capazes de arrancar lágrimas fáceis ao espectador.
A acção decorre numa plataforma de petróleo filmada como ilha para onde caminham todos os que levam ao limite o desejo de serem deixados em paz porque o passado, um qualquer segredo do passado, os faz abominar a vida em sociedade. A partilha desse aparente estado de desgraça levará Hannah a nomear a besta que a tem aprisionada há anos e a atingir, através da vida plenamente atingida, a redenção. Não esquece, não perdoa - perceber-se-á no final - mas atinge a pacificação e prossegue, plantando sobre as cinzas. Com ela, leva Josef (Tim Robbins, mais uma vez excelente nesta personagem contida e uinfinitamente generosa). A não perder!

Thursday, July 06, 2006

Monday, July 03, 2006



Graças a este homem - Ricardo, 30 anos, nado e criado no Montijo - a minha geração já tem uma história para contar, equiparável aos mil vezes reconstituídos dramas protagonizados pelos magriços de 66. É disto que gosto no futebol: a sua capacidade de criar grandes histórias, em que rapazes humildes se elevam da sua banal condição para a de lendas vivas. Uma espécie de versão masculina da Gata Borralheira.

Thursday, June 29, 2006




Bilbao

Há cidades que são como pessoas marcadas. Não podem ser ligeiras nem tão pouco amáveis. São Paulo, Hanói, Bilbao...
Chega-se e encontra-se uma manifestação de operárias conserveiras vigiada por carros blindados da Guardia Civil. Não vá a ETA tecê-las... Vota-se à indiferença a performance da selecção espanhola no Mundial mas, por comodidade, já não se fala basco na vida de todos os dias. Bilbao tem a estranha beleza dos lugares marcados por uma sociologia difícil. Mesmo depois de Frank Gehry e do Museu Guggenheim a terem colocado no mapa do turismo cultural.

fotos de MJM






Tuesday, June 27, 2006


Amanhã, 28, subo o meu 39º degrau. E, no entanto, não me sinto muito diferente de quando iniciei a escalada.

Tuesday, June 20, 2006


O Mar, O Mar por Iris Murdoch

Há livros que têm a arte de nos agarrar logo às primeiras linhas. É o caso deste (confesso, gosto muito da britânica Iris Murdoch):

«O mar que se estende à minha frente enquanto escrevo resplandece, mais do que cintila, sob um morno sol de Maio. Com a mudança de maré, reclina-se calmo contra a costa, quase liso, sem espuma nem ondulação. Nas proximidades da linha do horizonte é de um púrpura voluptuoso, atravessado por linhas regulares de verde-esmeralda. No horizonte é cor de anil. Junto à praia, onde a minha vida é enquadrada por cabeços de rocha amarelada, vê-se uma faixa de um verde mais calmo, frio e puro, menos luminoso, mas opaco, não transparente. Estamos no Norte e o brilho do sol não consegue penetrar as águas.»

Sinto que mesmo que estivéssemos no deserto, vê-lo-íamos.


Monday, June 19, 2006



Meia Praia, Lagos, 10/06/06

Voltei. Com a memória de muito sol e um mar a perder de vista a ajudar-me a enfrentar os dias. Confio no meu amigo Jordi: «es sorprendente/existir es sorprendente/existir es una maravilla».

Thursday, June 01, 2006




Vou a banhos!

Nas próximas duas semanas entregar-me-ei com paixão ao dolce far niente. Don't worry, be (very) happy!

Wednesday, May 31, 2006



Espectáculo

Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar
Quando
tu me vires no music-hall
estarei no palco
cabaça ao sol
ao sol da noite das luzes
à espera dum outro sol
e que os teus olhos os uses
como quem usa um farol
não me olhes só dessa frisa lateral
desce peça cortina e acompanha-me em cena
vamos dar à perna como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos bailar
Quando
tu me vires na televisão
estarei no écran
pés assentes no chão
a fazer publicidade
mas desta vez da verdade
mas desta vez da alegria
de duas mãos agarradas
mão a mão no dia a dia
não me olhes só desse maple estofado
desce pela antena e vem comigo ao programa
vem falar à gente como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos cantar
E quando
à minha casa fores dar
vem devagar
e apaga-me a luz
que a luz destoutra ribalta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta
às vezes não me seduz
às vezes não me faz falta

Sérgio Godinho

Friday, May 26, 2006

Uma surpresa em forma de livro


«Quando há quatro anos vim viver para Barcelona tudo me atordoava: os desvairados prédios de Gaudí; o fragor do trânsito; as Ramblas, sempre cheias de uma turba eufórica e agitada. Mergulhava de cabeça na multidão, como nas águas de um rio, e deixava-me ir assim, até que a corrente me depositasse numa das margens, junto à esplanada de um qualquer café.
No bairro da Graça, em Lisboa, onde cresci, ainda todos me chamam, simplesmente, a menina. Sou Faíza, a filha da Filipa. A irmã da Sofia e da Alexandra. Aqui, em Barcelona, não tenho nome. Não tenho mãe nem pai. Não tenho irmãs. Sou o que há de mais parecido com ninguém.»

Faíza Hayat, O Evangelho segundo a Serpente, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006

Faíza Hayat, filha de mãe portuguesa, católica, e pai goês, muçulmano. Reside em Barcelona, onde prepara um doutoramento em Antropologia. Não é escritora, não procura sê-lo e, no entanto, o seu primeiro romance, de que aqui vos apresento um extracto, é uma surpresa muito agradável.

Thursday, May 25, 2006

Não está mal, não senhor
You Are New York

Cosmopolitan and sophisticated, you enjoy the newest in food, art, and culture.
You also appreciate a good amount of grit - and very little shocks you.
You're competitive, driven, and very likely to succeed.

Famous people from New York: Sarah Michelle Gellar, Tupac Shakur, Woody Allen
You Should Be A Cancer

What's good about you: you're incredibly kind, caring, and generous

What's bad about you: you can be too moody and impossible to understand

In love: you enjoy wining and dining the object of your affection

In friendship, you're: likely to depend on other friends for emotional support

Your ideal job: historian, marine biologist, or religious figure

Your sense of fashion: you dress to match your mood

You like to pig out on: classic home cooked meals, like mac and cheese

Monday, May 22, 2006

Hum... :)

Your Superhero Profile

Your Superhero Name is The Forgotten Flea
Your Superpower is Seduction
Your Weakness is Spiders
Your Weapon is Your Toxic Bazooka
Your Mode of Transportation is Motorcycle

Friday, May 19, 2006

O filósofo e o amor

«O prazer de amar sem que se ouse dizê-lo tem os seus espinhos; mas também tem as suas doçuras. Em que transporte não estamos ao formarmos todas as nossas acções em vista de agradar a uma pessoa que estimamos infinitamente! Estudamo-nos todos os dias a fim de acharmos os meios de nos descobrirmos, e nisso empregamos tanto tempo como se tivéssemos de manter aquela que amamos. Os olhos acendem-se e apagam-se num mesmo momento; e ainda que não vejamos manifestamente que aquela que causa toda esta desordem disso se dê conta, temos contudo a satisfação de sentir todos estes frémitos por uma pessoa que tão bem o merece. Queríamos ter cem línguas para nos darmos a conhecer; porque, como não podemos servir-nos da fala, somos obrigados a reduzir-nos à eloquência da acção».

Blaise Pascal, Discurso sobre as Paixões do Amor, edição Fenda, tradução de Miguel Serras Pereira;

Tuesday, May 16, 2006



Na aparência é um filme de acção dotado de um elenco luxuoso (Denzel Washington, Jodie Foster, Clive Owen, Christopher Plummer, William Dafoe). O Infiltrado, de Spike Lee, embora cumpra na perfeição esse objectivo, é também uma reflexão irónica sobre o melting-pot de culturas e raças em que se tornou o mundo ocidental e Nova Iorque em particular. Um lugar onde todos enriquecem com a diferença ou onde todos espreitam todos?

Brilhante!

Friday, May 12, 2006




Os livros mais românticos que li

Pediram-me num chat sobre literatura inglesa (e não só) em que participo que indicasse os livros mais românticos que alguma vez li. Os resultados aí estão, para partilhar convosco

- Anna Karenina, de Tolstoi
- O Monte dos Vendavais, de Emily Brontë
- Sonetos do Português, de Elizabeth Barrett Browning
- O Paciente Inglês, de Michael Ondjake
- O Grande Gatsby, de Scott Fitzgerald

Gostava de saber quais são os vossos :)

Wednesday, May 10, 2006


Um poema em forma de filme: O Novo Mundo, de Terence Malick

Thursday, May 04, 2006



Não basta ser lindo (e solteiro) também importa ser inteligente e empenhado




«Não basta fazer um filme sobre a especulação petrolífera se depois não nos empenharmos na defesa do ambiente»

George Clooney, entrevista à Vanity Fair*, Maio de 2006

* excelente número desta revista norte-americana, em cuja capa se pode ler: «O aquecimento global é uma ameaça mais real do que o terrorismo».

Tuesday, May 02, 2006



Livros da minha vida

Ao contrário do que habitualmente acontece, foi o filme que me levou ao livro e não o contrário. Possession, realizado por Neil LaButte, com Gwyneth Paltrow no principal (e romântico) papel é uma obra estimável, mas não mais do que isso. O livro, da britânica A.S. Byatt, é um esplendor que, em 1990, mereceu o Booker Prize (a maior distinção de literatura inglesa).
A acção decorre paralelamente na actualidade e na Inglaterra vitoriana. Dois jovens investigadores de hoje perdem-se de amores um pelo outro à medida que se vão enleando nas teias de uma inesperada paixão entre dois poetas do século XIX a quem tudo parecia separar. Ao longo de várias centenas de páginas, A.S. Byatt consegue ser simultaneamente erudita, romântica e empolgante.

Friday, April 21, 2006


25 de Abril sempre

Estava a dormir, mas acordei quando o meu pai, regressado da rua, chamou minha mãe para anunciar que havia um golpe de Estado. Lembro-me destas palavras como se fossem de ontem, mas também lembro de me voltar tranquilamente para o outro lado: aos 6 anos não é possível saber-se o que isso pode representar. Estávamos no casarão da minha avó, na Rua dos Fanqueiros, em Lisboa. Horas depois, mesmo uma menina que só pensava em brincar com bonecas, não podia impedir-se de ver os carros blindados na rua; de ouvir os comunicados emitidos pelo posto de comando das Forças Armadas e os tiros no Carmo. Devo ter imaginado um cenário de guerra porque, para me aquietar, minha mãe disse-me: «Não tenhas medo. É festa!»
E era. Nos dias que se seguiram, esta criança andou às cavalitas do pai (que hoje treme de pensar nesta «inconsciência») na libertação dos presos políticos e em manifs várias, com o entusiasmo que hoje só se reserva para o clube da nossa preferência. Em Outubro de 1974 fui para a 1ª classe e a festa continuou. As nossas canções de roda eram «Grândola, Vila Morena», «Gaivota» e outras de que já não me lembro. Brincávamos aos valerosos capitães e aos indignos PIDES; aprendíamos que já não era preciso decorar os rios de Angola e os caminhos-de-ferro de Moçambique. Em Abril seguinte, decorámos a escola para a realização das primeiras eleições livres. É por isso que, mesmo passados 32 anos, não posso deixar de assinalar a data com os cravos vermelhos, mesmo correndo o risco de ser déjà-vu. Tal como o Natal, Abril não é sempre que um homem quiser.

Thursday, April 20, 2006

Um poema sobre o amor verdadeiro por um dos poetas da minha preferência, o irlandês William Butler Yeats

When you are old and grey and full of sleep,/
And nodding by the fire, take down this book,/
And slowly read, and dream of the soft look/
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace/
And loved your beauty with love false or true/
But one man loved the pilgrim Soul in you/
And loved the sorrows of your changing face

And bending down beside the glowing bars,/
Murmur, a little sadly, how Love fled/
And paced upon the mountains overhead/
And hid his face amid a crowd of stars.

William Butler Yeats

Tuesday, April 18, 2006



Freud, um revolucionário conservador

A poucos dias de se assinalarem os 150 anos do nascimento de Freud (nasceu a 6 de Maio), li a excelente biografia romanceada que a psicanalista e escritora francesa Nicolle Rosen fez da mulher do cientista, Martha. Publicado em Portugal pela Teorema, este livro (Martha Freud, de título) mostra como, em privado, o homem que descobriu a parte submersa dos nossos icebergues pessoais, era um burguês de mentalidade vitoriana, incapaz de reconhecer a existência de um inconsciente à mulher com quem casara. Sigmund Freud era, pois, um monstro? Não, apenas um homem excepcional que, no entanto, não se conseguiu libertar de todas as contigências do seu tempo.

Wednesday, April 12, 2006

Esquerda baixa

Na bolha onde diariamente respiro, discutia-se o resultado das eleições italianas e a política daquele país. O homem que corta as unhas para cima do teclado do computador comenta, com um sorriso complacente, as declarações de Alessandra Mussollini: «Mais vale fascista do que paneleiro!».
Confrontei então os senhores (intelectuais de esquerda, saliente-se) com o teor do que reproduziam:

- Não partilhas dessa opinião, espero…

Silêncio. Insisto, chatinha:

- Sim!?

A resposta acabou por vir:

- Eh pá, nem uma coisa nem outra.

Palavras para quê? É uma bolha portuguesa.

Tuesday, April 11, 2006



... E agora uma história para quem ainda acredita em causas. Quem lhe acrescenta um final?

A Pequena Floresta de Bambu

Crescia a olhos vistos a cidade onde vivia o pequeno Andrew Morton. Crescia em tantas direcções e de tantas maneiras que os que a habitavam desde meninos sentiam que, muito em breve, já não a reconheceriam com a mesma facilidade. «O que isto vai ser», declaravam com orgulho e esperança, sempre que se cruzavam com a construção do que seria mais um moderno viaduto; com as fundações para mais um bloco de apartamentos que se haveria de vender muito caro ou com os navios que limpavam o rio para que ele fosse digno de espelhar tamanha grandeza. O presidente da Câmara organizava visitas para jornalistas e homens de negócios. Os flashes disparavam. Os telejornais comentavam o fenómeno.
Aluno dos primeiros anos da escola local, Andrew Morton partilhava do entusiasmo dos seus vizinhos. A pequena e obscura cidade onde nascera seria agora mais do que um minúsculo ponto no mapa do país. Diariamente, quando, regressado das aulas, se fechava no seu quarto de brincadeiras, pegava nas caixas de Lego e construía viadutos; blocos de apartamentos e navios de diversas dimensões. Quando crescesse, anunciava do alto dos seus sete anos, seria engenheiro; para transformar cidades pequenas e obscuras, como a sua, em metrópoles que desafiassem o poder da Terra, onde todos os habitantes desfrutassem igualmente das alegrias da mais avançada tecnologia. E adormecia, reconfortado pela ideia de futuro.
Houve uma tarde, porém, em que Andrew Morton não regressou tão entusiasmado da escola como nos dias anteriores. Ao chegar ao quarto de brinquedos, percebeu que já não lhe apetecia ser engenheiro. Num gesto de raiva, derrubou as caixas de Lego, espalhando pelo chão centenas de peças multicolores, agora desprovidas de sentido. E entregou-se às lágrimas que vinha a evitar desde o terrível momento em que soubera que as retroretro escavadoras se preparavam para destruir o mais precioso tesouro do melhor amigo que já tivera.
Andrew conhecera Xiao Lin no dia em que este fora à sua escola fazer uma demonstração da arte da acrobacia chinesa tal como a aprendera, há muitos anos, na Ópera de Pequim. Fascinados com a agilidade demonstrada por um homem que tinha a idade dos seus avós, os miúdos não mais largaram Xiao Lin que, rua fora, tinha de lhes aturar mil e uma perguntas. A China era mesmo o país mais habitado do planeta? O seu alfabeto era composto por centenas de letras que demoravam muitos anos de escola a aprender? Misterioso, o chinês limitava-se a sorrir, substituindo as respostas por bolinhos da sorte que arrancavam gargalhadas de delícia na sua jovem audiência.
Andrew, por ser o mais insistente, veio a ser introduzido nos segredos da caligrafia chinesa. Munido de pena, tinta e grandes rolos de papel, Xiao Lin mostrou-lhe como a altivez de algumas daquelas letras, pintadas com a precisão duma obra de arte, lembravam os ramos de bambu que, num impulso decidido, parecem dirigir-se ao céu.

Triste, Andrew admitiu:

- Só conheço os rebentos de bambu que vêm nos pratos de galinha no restaurante chinês.

Xiao Lin riu. Mas logo acrescentou:

- Vem comigo – e levou Andrew a conhecer o jardim que rodeava o casarão muito antigo em que morava, num ponto afastado da cidade. Deteve-se junto duma muralha de ramos tão delgados quanto resistentes:

- Não é uma floresta de bambu comparável a qualquer uma que possas encontrar na China, mas, ainda assim, é tão densa e forte que só o astuto tigre a pode penetrar.

- Nem o vento?

- O vento brinca nela como o menino no recreio da sua escola. Não é suficientemente forte para a abalar.

Fascinado, Andrew fez da pequena floresta de bambu a sua segunda casa. Os legos com que construía miniaturas de prédios; pontes e navios foram substituídos por sonhos em que entravam mandarins, princesas de pés minúsculos e mercadores de longa trança. Entre risos, os colegas da escola comparavam-no aos ursos pandas que se alimentam desta planta. Andrew encolhia os ombros, sorridente – não se importava; estava feliz.
Meses depois desta descoberta, Xiao Lin morreu. E Andrew, que sofria a primeira grande perda da sua vida, passou a ir muitas vezes à pequena floresta de bambu que o seu amigo tratara com mimos de pai. O sussurro do vento por entre os finos caules transmitia-lhe a mesma sensação de segurança que, pouco antes, encontrara na presença do velho sábio chinês.
Mas os mesmos homens que mostravam o crescimento da cidade a jornalistas e negociantes tinham decretado que não seria assim por muito tempo. A velha casa de Xiao Lin; o jardim que a envolvia; a pequena floresta de bambu, tudo o que Andrew jurara guardar, seria sacrificado para que, em seu lugar, surgisse o novo edifício da Câmara Municipal. Uma autêntica maravilha da técnica, anunciava-se. Ar condicionado em todos os gabinetes; janelas auto-laváveis; robots que distribuiriam cafés, chocolates e cachorros quentes, que sei eu… Mas estes brinquedos de adulto tinham deixado de encantar o rapaz que não suportava a ideia de perder, assim, o pedaço de paraíso herdado dum amigo tão querido.

Thursday, April 06, 2006


Lisboa mais sexy

Quando se diz que aos britânicos falta um pouquito de sal, esquecem-se certamente de Pierce Brosnan. As utentes da Carris que o digam já que, nos últimos dias, as paragens de autocarro foram «invadidas» por cartazes em que o 007 mais sexy das últimas décadas se associa a uma cerveja nacional. A responsabilidade pelo súbito embelezamento das nossas esperas vai toda para Bohemia, Sagres Bohemia.

Wednesday, April 05, 2006

Primeiramente

«Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus. E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta nos dedos como um cravo. Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca – e sempre a tua boca – comece de novo a nascer na minha boca.Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu.»

Eugénio de Andrade

Monday, April 03, 2006



A biblioteca perdida

No sábado fui curar a neura nas compras. Sempre a meio caminho entre o fascínio da modernidade (é o ascendente Aquário, dizem os entendidos nestas coisas) e o legado do passado (signo solar Caranguejo), comprei um leitor de MP3 na FNAC e segui para a Feira da Ladra. Ia mais para desfastio do que por esperança de encontrar alguma coisa que jeito tivesse, mas acabei por encontrar o que restava de uma excelente biblioteca, vendida ao módico preço de 1 euro por unidade. Dei por mim a compreender que havia uma coerência intrínseca naquele vasto conjunto, o que parecia indicar que pertencera a uma só pessoa. Alguém que fora culto, que tivera bom gosto, que coleccionara aqueles livros com desvelo, ao longo de anos e anos. Comprei uma novela de Evelyn Waugh (O Ente Querido); um original de Rebecca de Daphne du Maurier e um «Gaélico sem mestre». Fiquei a pensar o quanto me teria entendido bem com o desconhecido que possuira a biblioteca que assim se dispersava.