Thursday, October 19, 2006

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Marie Antoinette (a propósito da estreia do filme de Sofia Coppola, hoje, dia 19, em Lisboa

«Só é ferido pelo destino quem não se soube dominar; em toda a derrota há um sentido e uma falta», escreve Stefan Zweig, na frase com que se propõe resumir a trágica existência da Rainha que a França fez guilhotinar a 16 de Outubro de 1793. Filha de um animal político como foi a Imperatriz Maria Teresa de Áustria, a jovem arquiduquesa sempre enjeitou os ensinamentos de uma instrução séria. Casada – como todos os príncipes do seu tempo – para responder aos interesses diplomáticos da dinastia em que nascera, foi com desgosto que se sujeitou às lições de um preceptor francês que procurava familiarizá-la com a História, a Literatura, os usos e costumes do país onde seria chamada a reinar. Igual destino teriam os insistentes conselhos da mãe, ainda em Viena e depois enviados por carta para Paris, quase todos relativos a questões de política externa e, sobretudo, ao que os súbditos esperam do comportamento duma Rainha de França. Volátil, Maria Antonieta desliza de divertimento para divertimento. Perspicazes como só as crianças conseguem ser, os filhos haveriam de lhe conceder o título de «Mousseline, la Sérieuse».
Neste frenesim de prazeres, Maria Antonieta esquecia talvez o desgosto de ver destroçados os seus sonhos de menina. Indolente e taciturno, Luís XVI estava longe de corresponder ao que habitualmente se espera de um príncipe encantado.
As nuvens começaram a avolumar-se muito antes de irromper a borrasca. A partir de 1785, o povo de Paris começa a murmurar gravemente sobre o comportamento da Rainha. Chamam-lhe devassa, tirânica, excessivamente despesista e sem qualquer contemplação para com as reais necessidade da França. Ocasionalmente recordam-lhe que é estrangeira, chamando-lhe «a austríaca». Finalmente, resumem todas essas acusações no título que soará já como uma ameaça: «Madame Deficit».
A 14 de Julho de 1789, a tomada da prisão da Bastilha, torna-se um símbolo da irreversibilidade do processo revolucionário. E é então que, ao sentir-se ameaçada, o carácter de Maria Antonieta conhece uma transformação, unanimemente reconhecida por todos os historiadores. Mousseline, la Sérieuse cede lugar a uma heroína trágica, que responde à gravidade dos acontecimentos com uma determinação que antes só colocara na escolha das toilettes. Deposta, presa no Templo, com toda a família, Maria Antonieta será sucessivamente confrontada com a execução do marido (a 21 de Janeiro de 1793), a separação dos filhos e um processo vergonhoso em que, para além de ser acusada de alta traição e conluio com as potências estrangeiras, a fazem ouvir que teria iniciado o Delfim, seu filho, em jogos sexuais. Indignada, a Rainha apela às outras mulheres presentes no tribunal, algumas das quais não ocultam a emoção. Apesar da defesa vigorosa que soube apresentar, a sentença de morte é conhecida às 4 da manhã de 16 de Outubro de 1793 e posta em prática horas depois, nesse mesmo dia. Prematuramente encanecida – só conta 38 anos incompletos – enfrenta a morte com uma serenidade que se tornou lendária. Recusa o serviço espiritual do sacerdote constitucional com que a nova ordem revolucionária substituira os padres católicos e emudece a turba que se juntara para assistir à execução. Estava consumado o turbilhão que fora breve a sua existência. Sofia Coppola considerou-a tão exemplarmente contemporânea que não hesitou em fazê-la rodopiar ao som dos New Order.

1 comment:

Thiago said...

Muito bom este teu texto. Adorei:) não te esqueças com quem o vais rever ;-)