Wednesday, November 29, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=iFHrbx8AiQ8

In memoriam Robert Altman (1925-2006)
«They sell glove shoes, I make gloves»

In memoriam Robert Altman


Estive a recordar Gosford Park, de Robert Altman.

Nos espectáculos muito encenados, os bastidores são quase sempre mais eloquentes do que o palco. Na cerimónia de atribuição dos Oscars de 2002, o momento alto da noite foi oportunamente vislumbrado e captado pelo operador de câmara na plateia de notáveis: enquanto Ron Howard se preparava para receber o Oscar de melhor realizador, David Lynch e Robert Altman, nomeados vencidos, cumprimentavam-se com um abraço que inesperadamente substituiu os piedosos sorrisos do costume. Mais do que uma efusiva saudação, este gesto simboliza toda a História alternativa destes prémios que já vão na 74a edição - a História que não se traduz pela listagem dos vencedores, mas pela outra, a dos vencidos. Tamanha solidariedade entre estes dois grandes nomes do cinema sela os destinos de ambos como senhores de percursos ímpares e solitários que a indústria não consegue assimilar (a revista francesa Positif, de Março de 2002, compara Altman a Resnais, Imamura e...Manoel de Oliveira).
Gosford Park, a obra de Altman que o júri da Academia nomeou para seis Oscars (incluindo melhor filme e melhor realizador, vencendo apenas o de argumento original) devolve-nos o vigor dos melhores filmes do cineasta: Nashville (1975); A Mariage (1978); Streamers (1983);ThePlayer(l992) e ShortCuts(ï993).
Colocado perante o desafio de abordar um género novo na sua vasta fílmografía, Altman (já com 76 anos) optou por filmar uma espécie de cruzamento entre o policial à inglesa, a sátira de costumes e o filme da época. Conhecedor da História (que diz usar como a âncora que o impede de disparar em todas as direcções), fez-se transportar para a Inglaterra do princípio da década de 30, quando Hitler ainda não chegara ao poder na Alemanha, mas grossas nuvens já se formavam sobre toda uma sociedade e seus rituais. Com um surdo desespero que os aproxima da aristocracia francesa em vésperas da Revolução, Lord e Lady McGordle convidam os seus pares para uma caçada à perdiz, a ter lugar em Gosford Park.
No banco de trás dos seus Rolls Royce, os vários convivas, acompanhados por motoristas e criados de quarto, respondem à chamada, não porque os mova o irresistível apelo da caça, mas porque procuram, nesse convívio, a resolução para múltiplos problemas financeiros, decerto agravados pelos efeitos da Grande Depressão, desencadeada em 1929. Desprovidos de meios necessários ao sustento de tamanha ostentação, acossados pelos novos mundos prometidos pelo comunismo, à esquerda, e pelo fascismo, à direita, representam uma farsa em que a etiqueta substituiu a vida. Como numa peça de Noel Coward ou numa novela de Evelyn Waugh, autor de Brideshead Revisited e de A Handful ofDust, obras que, tal como Gosford Park, tomam por tema a inexorável decadência da aristocracia tradicional inglesa nos tempos em que o Duque de Windsor era a sua coqueluche.
Este fim-de-semana não viria a ser igual a tantos outros. Após desavenças com vários dos seus convidados e até a demonstração, perante todos, da ligação que o une à mais bonita das criadas, o dono da casa será assassinado.Com tanta gente reunida na mansão (incluindo dois parvenus de Hollywood), o filme parece lançado para um thriller à moda de Agatha Christie. No entanto, o desajeitado Inspector não ombreia com o faro de Hercule Poirot e os principais pontos de interesse do filme não residem na solução da intriga. Sem a consagração dos Oscars, este filme ficará para a História como um dos grandes trabalhos de Altman. Um cineasta para quem o Rolls Royce, filmado no princípio de Gosford Park, pode bem ser uma metáfora da sua obra - filmes sofisticados, concebidos como peças únicas, sem nenhuma concessão à indústria.

Tuesday, November 28, 2006

Poemas que unem almas
1)


Hope


Hope is the thing with feathers
That perches in the soul,
And sings the tune--without the words,
And never stops at all,

And sweetest in the gale is heard;
And sore must be the storm
That could abash the little bird
That kept so many warm.

I've heard it in the chillest land,
And on the strangest sea;
Yet, never, in extremity,
It asked a crumb of me.

Emily Dickinson

Monday, November 27, 2006



007 - Casino Royale

Atrevo-me a dizer que já é um clássico. Quando a saga 007 era uma desinteressante e confusa sucessão de gadgets e sequências improváveis (salva apenas pela garbosa presença de Pierce Brosnan), Martin Campbell redescobriu o prazer de uma boa história de suspense e romance. A tais méritos não será estranha a participação de Paul Higgins, o argumentista de One Million Dollar Baby e realizador de Colisão.

Friday, November 24, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=5pjEcI__cJ4


Prendinha

Rosemary Clooney foi, nos anos 50, uma das cantoras mais populares da música norte-americana. Vemo-la aqui num divertido «Mambo Italiano». Para além dos seus méritos musicais, a senhora teve um sobrinho que hoje derrete mais corações do que o Sol no Verão. Quem adivinha?

Thursday, November 23, 2006

Imagens do Inverno passado

Agora que os dias ficam mais curtos e que apetece uma camisola quente recordo algumas fotografias que fiz no Inverno passado. Porque acredito que todas as estações do ano têm a sua beleza.


Linha da Beira Alta, Portugal



Cidade da Guarda



Pista de gelo junto ao Museu de História Natural, em Londres



De comboio rumo à Guarda

A tarde em que nevou em Lisboa, 29/01/06

Wednesday, November 22, 2006

...E, no entanto, não posso deixar de amar a cidade em que cresci



«Nas nossas ruas, ao anoitecer,/
Há tal soturnidade, há tal melancolia,/
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia/
Despertam um desejo absurdo de sofrer»

Cesário Verde, «O Sentimento dum Ocidental»



«Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao
menos assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito,
não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa
alguma.
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
— Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro,
nem para o poder.
A lanterna vermelha do americano, ao longe, no escuro, parara.
E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
— Ainda o apanhamos!
— Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o
americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente
pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do
luar que subia.»

Eça de Queirós, Os Maias

Monday, November 20, 2006

Este fim-de-semana, mais recatado, estive a ouvir poemas do inglês John Donne (1752-1631)ditos por Paul Hillier. Que as dificuldades do inglês de quinhentos não vos afaste de tanta beleza.

The Apparition

WHEN by thy scorn, O murd'ress, I am dead,
And that thou thinkst thee free
From all solicitation from me,
Then shall my ghost come to thy bed,
And thee, feign'd vestal, in worse arms shall see :
Then thy sick taper will begin to wink,
And he, whose thou art then, being tired before,
Will, if thou stir, or pinch to wake him, think
Thou call'st for more,
And, in false sleep, will from thee shrink :
And then, poor aspen wretch, neglected thou
Bathed in a cold quicksilver sweat wilt lie,
A verier ghost than I.
What I will say, I will not tell thee now,
Lest that preserve thee ; and since my love is spent,
I'd rather thou shouldst painfully repent,
Than by my threatenings rest still innocent.

John Donne

Friday, November 17, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=zfGQuYtDei0

A habitual prendinha de fim-de-semana

Ainda os anos 80, sob a forma de «24 Hour Party People» dos Happy Mondays.

Thursday, November 16, 2006


Na morte de Marilyn

Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sózinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sózinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentia toda sózinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou

Ruy Belo

Natalie Wood fotografada por Sam Shaw


Esplendor na Relva

Eu sei que deanie loomis não existe/
mas entre as mais essa mulher caminha/
e a sua evolução segue uma linha/
que à imaginação pura resiste

A vida passa e em passar consiste/
e embora eu não tenha a que tinha/
ao começar há pouco esta minha/
evocação de deanie quem desiste

na flor que dentro em breve há-de murchar?/
(e aquela que no auge a não olhar/
que saiba que passou e que jamais

lhe será dado ver o que ela era)/
Mas em deanie prossegue a primavera/
e vejo que caminha entre as mais

Ruy Belo

Monday, November 13, 2006



Departed, Martin Scorsese

A mão seguríssima de Martin Scorsese não teme a liberdade dos actores: Jack Nicholson, Matt Damon, Leonardo di Caprio, Martin Sheen, entre outros, dão show para nosso deleite. Brilhante, mesmo para quem não gosta de filmes de gangsters!

Thursday, November 09, 2006

http://www.youtube.com/watch?v=OEqAJGD582A

Prendinha de fim-de-semana aos gentis leitores

Desta vez, não é uma música. É um velho comercial da Cacharel que muito me fez sonhar durante a adolescência. Realizou-o a grande fotógrafa Sarah Moon. Enjoy it!


Prometes que me dizes este poema quando formos velhinhos?


WHEN YOU ARE OLD

WHEN you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim Soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.

William Butler Yeats

Wednesday, November 08, 2006

Aniversários

A 8 de Novembro de 1988 - faz hoje 18 anos, que passaram a correr - entrei, timidamente, na redacção do Diário de Lisboa para mostrar um punhado de textos sobre cinema. Fiquei, apaixonei-me pelo jornalismo e por aquele jornal, que foi o melhor e o mais fascinante de todos os títulos por onde passei. Hoje, a Inês, que é o que tenho de mais parecido com uma irmã, faz 30 anos de vida. Não receies a passagem dos anos. É ela que nos proporciona sensações maravilhosas como a de ontem à noite, quando nos comovemos durante o concerto do grande Chico Buarque, no Coliseu. Tanto mar!

Tuesday, November 07, 2006



Vila Viçosa

«Não sei porque Florbela cantou tão pouco a sua terra, que é tão inspiradora e cheia de prodígios. O coração turvado não tem folga para as memórias doces, nem da paisagem, nem dos hábitos. Mais ardentes fantasmas não há em Portugal como nesse lugar. O Condestável, o Duque D. Jaime, as suas loucuras e bravuras, a par umas das outras, que não se destriçam completamente. As freiras nas suas hortas e as cegonhas nos seus ninhos do choupo do Reguengo; e uma candura de ambições em que a vida se esgota e passa. No entanto, não é difícil supor Florbela naquela vila cortada de ruas estreitas, onde o luar caía em flecha; naqueles montados em São Bento onde se ergue o portão principal da tapada real.»

Agustina Bessa-Luís, Florbela Espanca