Friday, December 29, 2006
Thursday, December 28, 2006
The Dreamers, de Bernardo Bertollucci
Não é o melhor filme do realizador de O Último Tango em Paris, 1900 ou O Último Imperador, mas é irresistível para os cinéfilos. Basta dizer que a acção começa quando, em pleno Maio de 68, a demissão política do histórico presidente da Cinemateca de Paris, Henri Langlois, gera uma enorme manifestação. A história que se segue é a de uma belíssima (e terrível) história de amor a três que, à sua maneira, homenageia Jules e Jim, de François Truffaut. Imperfeito, poético, nostálgico, apaixonante, um filme para guardar na estante dos afectos. DVD à venda.
Tuesday, December 26, 2006
Friday, December 22, 2006
Monday, December 18, 2006
Escreve como pinta: com uma inteligência feita de sensibilidade aos mais infímos pormenores.Discreto, atento, senhor de uma imaginação exuberante, chama-se António Ferra e é hoje um dos meus melhores amigos. Um privilégio, digo-vos. Senão leiam o excerto deste poema, parte do seu novo livro, A Palavra Passe (edição Campo das Letras):
Perdi a password
E se eu não me lembrasse do código do multibanco/
e ali ficasse de pé em frente da máquina,/
de mãos trémulas, a introduzir o cartão/
até três vezes, três vezes remexendo os bolsos da cabeça/
cheia de tanto material provavelmente inútil,/
mas que eu teimo em guardar, não vá o diabo tecê-las,/
no medo de deitar fora uma recordação de infância/
misturada com o número do bilhete de identidade,/
no medo de perder o registo daquele beijo interminável/
a preencher-me o corpo ainda sensível à memória,/
no medo de encontrar entre ficheiros e afectos,/
algum trauma que ninguém removeu ainda,/
porque se fez de ácido e sabonete de glicerina e pó-de-talco/
ausonia? (uma senhora dos anos vinte a enfeitiçar-me a líbido/
recalcada de culpa, temores e incertezas.)
Wednesday, December 13, 2006
Wednesday, December 06, 2006
Monday, December 04, 2006
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados
que eu ando a limitar a tua
altura e bebo a água e sorvo o
ar que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se
transfigura e toca o seu
próprio elemento num corpo
que já não é seu
num rio que desapareceu onde
um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
Mário Cesariny
Wednesday, November 29, 2006
In memoriam Robert Altman
Estive a recordar Gosford Park, de Robert Altman.
Nos espectáculos muito encenados, os bastidores são quase sempre mais eloquentes do que o palco. Na cerimónia de atribuição dos Oscars de 2002, o momento alto da noite foi oportunamente vislumbrado e captado pelo operador de câmara na plateia de notáveis: enquanto Ron Howard se preparava para receber o Oscar de melhor realizador, David Lynch e Robert Altman, nomeados vencidos, cumprimentavam-se com um abraço que inesperadamente substituiu os piedosos sorrisos do costume. Mais do que uma efusiva saudação, este gesto simboliza toda a História alternativa destes prémios que já vão na 74a edição - a História que não se traduz pela listagem dos vencedores, mas pela outra, a dos vencidos. Tamanha solidariedade entre estes dois grandes nomes do cinema sela os destinos de ambos como senhores de percursos ímpares e solitários que a indústria não consegue assimilar (a revista francesa Positif, de Março de 2002, compara Altman a Resnais, Imamura e...Manoel de Oliveira).
Gosford Park, a obra de Altman que o júri da Academia nomeou para seis Oscars (incluindo melhor filme e melhor realizador, vencendo apenas o de argumento original) devolve-nos o vigor dos melhores filmes do cineasta: Nashville (1975); A Mariage (1978); Streamers (1983);ThePlayer(l992) e ShortCuts(ï993).
Colocado perante o desafio de abordar um género novo na sua vasta fílmografía, Altman (já com 76 anos) optou por filmar uma espécie de cruzamento entre o policial à inglesa, a sátira de costumes e o filme da época. Conhecedor da História (que diz usar como a âncora que o impede de disparar em todas as direcções), fez-se transportar para a Inglaterra do princípio da década de 30, quando Hitler ainda não chegara ao poder na Alemanha, mas grossas nuvens já se formavam sobre toda uma sociedade e seus rituais. Com um surdo desespero que os aproxima da aristocracia francesa em vésperas da Revolução, Lord e Lady McGordle convidam os seus pares para uma caçada à perdiz, a ter lugar em Gosford Park.
No banco de trás dos seus Rolls Royce, os vários convivas, acompanhados por motoristas e criados de quarto, respondem à chamada, não porque os mova o irresistível apelo da caça, mas porque procuram, nesse convívio, a resolução para múltiplos problemas financeiros, decerto agravados pelos efeitos da Grande Depressão, desencadeada em 1929. Desprovidos de meios necessários ao sustento de tamanha ostentação, acossados pelos novos mundos prometidos pelo comunismo, à esquerda, e pelo fascismo, à direita, representam uma farsa em que a etiqueta substituiu a vida. Como numa peça de Noel Coward ou numa novela de Evelyn Waugh, autor de Brideshead Revisited e de A Handful ofDust, obras que, tal como Gosford Park, tomam por tema a inexorável decadência da aristocracia tradicional inglesa nos tempos em que o Duque de Windsor era a sua coqueluche.
Este fim-de-semana não viria a ser igual a tantos outros. Após desavenças com vários dos seus convidados e até a demonstração, perante todos, da ligação que o une à mais bonita das criadas, o dono da casa será assassinado.Com tanta gente reunida na mansão (incluindo dois parvenus de Hollywood), o filme parece lançado para um thriller à moda de Agatha Christie. No entanto, o desajeitado Inspector não ombreia com o faro de Hercule Poirot e os principais pontos de interesse do filme não residem na solução da intriga. Sem a consagração dos Oscars, este filme ficará para a História como um dos grandes trabalhos de Altman. Um cineasta para quem o Rolls Royce, filmado no princípio de Gosford Park, pode bem ser uma metáfora da sua obra - filmes sofisticados, concebidos como peças únicas, sem nenhuma concessão à indústria.
Tuesday, November 28, 2006
1)
Hope
Hope is the thing with feathers
That perches in the soul,
And sings the tune--without the words,
And never stops at all,
And sweetest in the gale is heard;
And sore must be the storm
That could abash the little bird
That kept so many warm.
I've heard it in the chillest land,
And on the strangest sea;
Yet, never, in extremity,
It asked a crumb of me.
Emily Dickinson
Monday, November 27, 2006
007 - Casino Royale
Atrevo-me a dizer que já é um clássico. Quando a saga 007 era uma desinteressante e confusa sucessão de gadgets e sequências improváveis (salva apenas pela garbosa presença de Pierce Brosnan), Martin Campbell redescobriu o prazer de uma boa história de suspense e romance. A tais méritos não será estranha a participação de Paul Higgins, o argumentista de One Million Dollar Baby e realizador de Colisão.
Friday, November 24, 2006
Prendinha
Rosemary Clooney foi, nos anos 50, uma das cantoras mais populares da música norte-americana. Vemo-la aqui num divertido «Mambo Italiano». Para além dos seus méritos musicais, a senhora teve um sobrinho que hoje derrete mais corações do que o Sol no Verão. Quem adivinha?
Thursday, November 23, 2006
Agora que os dias ficam mais curtos e que apetece uma camisola quente recordo algumas fotografias que fiz no Inverno passado. Porque acredito que todas as estações do ano têm a sua beleza.
Linha da Beira Alta, Portugal
Cidade da Guarda
Pista de gelo junto ao Museu de História Natural, em Londres
De comboio rumo à Guarda
A tarde em que nevou em Lisboa, 29/01/06
Wednesday, November 22, 2006
«Nas nossas ruas, ao anoitecer,/
Há tal soturnidade, há tal melancolia,/
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia/
Despertam um desejo absurdo de sofrer»
Cesário Verde, «O Sentimento dum Ocidental»
«Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao
menos assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito,
não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa
alguma.
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
— Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro,
nem para o poder.
A lanterna vermelha do americano, ao longe, no escuro, parara.
E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
— Ainda o apanhamos!
— Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o
americano, os dois amigos romperam a correr desesperadamente
pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do
luar que subia.»
Eça de Queirós, Os Maias
Monday, November 20, 2006
The Apparition
WHEN by thy scorn, O murd'ress, I am dead,
And that thou thinkst thee free
From all solicitation from me,
Then shall my ghost come to thy bed,
And thee, feign'd vestal, in worse arms shall see :
Then thy sick taper will begin to wink,
And he, whose thou art then, being tired before,
Will, if thou stir, or pinch to wake him, think
Thou call'st for more,
And, in false sleep, will from thee shrink :
And then, poor aspen wretch, neglected thou
Bathed in a cold quicksilver sweat wilt lie,
A verier ghost than I.
What I will say, I will not tell thee now,
Lest that preserve thee ; and since my love is spent,
I'd rather thou shouldst painfully repent,
Than by my threatenings rest still innocent.
John Donne
Friday, November 17, 2006
Thursday, November 16, 2006
Na morte de Marilyn
Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu demasiados barbitúricos
uma noite ao deitar-se quando se sentiu sózinha
ou suspeitou que tinha errado a vida
ela de quem a vida a bem dizer não era digna
e que exibia vida mesmo quando a suprimia
Não havia no mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um dia dispôs do direito
ao uso e ao abuso de ser bela
e decidiu de vez não mais o ser
nem doravante ser sequer mulher
O último dos rostos que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem regresso mais que rosto mar
e toda a confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo mar intensamente condensar
Tomou todos os tubos que tinha e não tinha
e disse à governanta não me acorde amanhã
estou cansada e necessito de dormir
estou cansada e é preciso eu descansar
Nunca ninguém foi tão amado como ela
nunca ninguém se viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a mulher mais bela
mas não há coisa alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão é pedra em nosso peito
Perto de marilyn havia aqueles comprimidos
seriam solução sentiu na mão a mãe
estava tão sózinha que pensou que a não amavam
que todos afinal a utilizavam
que viam por trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja bela o adjectivo a empregar
que em vez de ver um todo se decida dissecar
analisar partir multiplicar em partes
Toda a mulher que era se sentia toda sózinha
julgou que a não amavam todo o tempo como que parou
quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou
Ruy Belo
Natalie Wood fotografada por Sam Shaw
Esplendor na Relva
Eu sei que deanie loomis não existe/
mas entre as mais essa mulher caminha/
e a sua evolução segue uma linha/
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste/
e embora eu não tenha a que tinha/
ao começar há pouco esta minha/
evocação de deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?/
(e aquela que no auge a não olhar/
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)/
Mas em deanie prossegue a primavera/
e vejo que caminha entre as mais
Ruy Belo
Monday, November 13, 2006
Thursday, November 09, 2006
Prometes que me dizes este poema quando formos velhinhos?
WHEN YOU ARE OLD
WHEN you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;
How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim Soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;
And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.
William Butler Yeats
Wednesday, November 08, 2006
A 8 de Novembro de 1988 - faz hoje 18 anos, que passaram a correr - entrei, timidamente, na redacção do Diário de Lisboa para mostrar um punhado de textos sobre cinema. Fiquei, apaixonei-me pelo jornalismo e por aquele jornal, que foi o melhor e o mais fascinante de todos os títulos por onde passei. Hoje, a Inês, que é o que tenho de mais parecido com uma irmã, faz 30 anos de vida. Não receies a passagem dos anos. É ela que nos proporciona sensações maravilhosas como a de ontem à noite, quando nos comovemos durante o concerto do grande Chico Buarque, no Coliseu. Tanto mar!
Tuesday, November 07, 2006
Vila Viçosa
«Não sei porque Florbela cantou tão pouco a sua terra, que é tão inspiradora e cheia de prodígios. O coração turvado não tem folga para as memórias doces, nem da paisagem, nem dos hábitos. Mais ardentes fantasmas não há em Portugal como nesse lugar. O Condestável, o Duque D. Jaime, as suas loucuras e bravuras, a par umas das outras, que não se destriçam completamente. As freiras nas suas hortas e as cegonhas nos seus ninhos do choupo do Reguengo; e uma candura de ambições em que a vida se esgota e passa. No entanto, não é difícil supor Florbela naquela vila cortada de ruas estreitas, onde o luar caía em flecha; naqueles montados em São Bento onde se ergue o portão principal da tapada real.»
Agustina Bessa-Luís, Florbela Espanca
Friday, October 27, 2006
Thursday, October 26, 2006
Ainda numa de lusofonia (o que raramente acontece, admito), gostaria de vos recomendar o último livro do angolano, José Eduardo Agualusa, Passageiros em Trânsito. São contos breves, muito bem escritos (como se impõe sobretudo num género breve, que desfiam as pequenas grandes histórias de anónimos cidadãos do mundo que se cruzam apenas por um instante.
Wednesday, October 25, 2006
Nostálgica de um pouco de sol, hoje fiz-me acompanhar do livro do escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro, Miséria e Grandeza do Amor de Benedita. E se não encontrei o dito sol, deparei, porém, com o prazer da língua portuguesa cozinhada como uma iguaria rara. Qus isto de se achar que o Português do Brasil é coisa de somenos, é pura ignorância da literatura brasileira contemporânea. Recomendo vivamente!
Monday, October 23, 2006
Não é um filme cómodo, mas é infinitamente pedagógico. Uma Verdade Inconveniente (em exibição no Nimas, em Lisboa) mostra como, por ignorância e leviandade, estamos a arruinar a nossa qualidade de vida e a comprometer o futuro das gerações seguintes. Al Gore, antigo vice-presidente dos Estados Unidos e concorrente derrotado de Bush em 2000, chama a atenção para a «ameaça terrorista» inerente ao aquecimento global: verões cada cada vez mais violentos; fenómenos meteorológicos mais extremos como o furacão Katrina; centenas de animais mortos devido a alterações drásticas no seu habitat. Não acreditem quando vos disserem que é uma fase e que isto depois passa.
Friday, October 20, 2006
As expectativas eram tantas que fui ver o filme ontem mesmo, na estreia. Mas não gostei particularmente. Beleza plástica à parte (o que não é favor nenhum quando é permitido filmar em Versailles e no Trianon), Sofia Coppola não teve o engenho de fazer mais do que uma reconstituição linear da vida da trágica Rainha até à eclosão da Revolução Francesa, seguindo a par e passo a biografia feita pela historiadora Antonia Fraser. Não teve a ousadia de defender até ao fim aquela que parece ser a tese do filme: a de que Maria Antonieta foi a primeira estrela pop de sempre, pelo grau de exposição a que a sua breve existência esteve sujeita. Sofia sugere-o com a excelente banda sonora (em vez de música barroca, temos Siouxsie & The Banshees, the Strokes, New Order, Air e The Cure) mas a subversão do género histórico acaba nesse ponto. Intui-se que a cineasta concebe Maria Antonieta como um ser algures entre Jackie Kennedy e Kate Moss, mas faltou-lhe o golpe de asa para sustentar esse paralelismo durante todo o filme. E é pena.
Thursday, October 19, 2006
Marie Antoinette (a propósito da estreia do filme de Sofia Coppola, hoje, dia 19, em Lisboa
«Só é ferido pelo destino quem não se soube dominar; em toda a derrota há um sentido e uma falta», escreve Stefan Zweig, na frase com que se propõe resumir a trágica existência da Rainha que a França fez guilhotinar a 16 de Outubro de 1793. Filha de um animal político como foi a Imperatriz Maria Teresa de Áustria, a jovem arquiduquesa sempre enjeitou os ensinamentos de uma instrução séria. Casada – como todos os príncipes do seu tempo – para responder aos interesses diplomáticos da dinastia em que nascera, foi com desgosto que se sujeitou às lições de um preceptor francês que procurava familiarizá-la com a História, a Literatura, os usos e costumes do país onde seria chamada a reinar. Igual destino teriam os insistentes conselhos da mãe, ainda em Viena e depois enviados por carta para Paris, quase todos relativos a questões de política externa e, sobretudo, ao que os súbditos esperam do comportamento duma Rainha de França. Volátil, Maria Antonieta desliza de divertimento para divertimento. Perspicazes como só as crianças conseguem ser, os filhos haveriam de lhe conceder o título de «Mousseline, la Sérieuse».
Neste frenesim de prazeres, Maria Antonieta esquecia talvez o desgosto de ver destroçados os seus sonhos de menina. Indolente e taciturno, Luís XVI estava longe de corresponder ao que habitualmente se espera de um príncipe encantado.
As nuvens começaram a avolumar-se muito antes de irromper a borrasca. A partir de 1785, o povo de Paris começa a murmurar gravemente sobre o comportamento da Rainha. Chamam-lhe devassa, tirânica, excessivamente despesista e sem qualquer contemplação para com as reais necessidade da França. Ocasionalmente recordam-lhe que é estrangeira, chamando-lhe «a austríaca». Finalmente, resumem todas essas acusações no título que soará já como uma ameaça: «Madame Deficit».
A 14 de Julho de 1789, a tomada da prisão da Bastilha, torna-se um símbolo da irreversibilidade do processo revolucionário. E é então que, ao sentir-se ameaçada, o carácter de Maria Antonieta conhece uma transformação, unanimemente reconhecida por todos os historiadores. Mousseline, la Sérieuse cede lugar a uma heroína trágica, que responde à gravidade dos acontecimentos com uma determinação que antes só colocara na escolha das toilettes. Deposta, presa no Templo, com toda a família, Maria Antonieta será sucessivamente confrontada com a execução do marido (a 21 de Janeiro de 1793), a separação dos filhos e um processo vergonhoso em que, para além de ser acusada de alta traição e conluio com as potências estrangeiras, a fazem ouvir que teria iniciado o Delfim, seu filho, em jogos sexuais. Indignada, a Rainha apela às outras mulheres presentes no tribunal, algumas das quais não ocultam a emoção. Apesar da defesa vigorosa que soube apresentar, a sentença de morte é conhecida às 4 da manhã de 16 de Outubro de 1793 e posta em prática horas depois, nesse mesmo dia. Prematuramente encanecida – só conta 38 anos incompletos – enfrenta a morte com uma serenidade que se tornou lendária. Recusa o serviço espiritual do sacerdote constitucional com que a nova ordem revolucionária substituira os padres católicos e emudece a turba que se juntara para assistir à execução. Estava consumado o turbilhão que fora breve a sua existência. Sofia Coppola considerou-a tão exemplarmente contemporânea que não hesitou em fazê-la rodopiar ao som dos New Order.
Tuesday, October 17, 2006
Penélope posta em desassossego
Já vos falei de Son de Mar, de Manuel Vicent, que trouxe de Madrid. Terminada a leitura, digo-vos que é um dos melhores livros que li nos últimos (largos) meses. Muito bem escrito e estruturado, conta a belíssima história de paixão entre um professor de Literatura Clássica, Ulisses de seu nome,e sua mulher Martina. Ela ama-o até à loucura, ele só sabe que a ama na mesmíssima proporção depois de se perder dela e da sua antiga vida, mundo fora. Regressa ao cabo de dez anos, em que, tendo-o julgado morto, Martina e a aldeia lhe fizeram o funeral, adaptando-se aos novos tempos. O reencontro estará à altura da grandeza das personagens.
Só uma dúvida me aflora o espírito: e se, um dia destes, um escritor (ou uma escritora) criar uma Ulisses, uma mulher que necessite de se perder no mundo para saber que o homem da sua vida fora o que deixara em terra? Cairiam os alicerces da civilização ocidental?
Friday, October 13, 2006
Thursday, October 12, 2006
Wednesday, October 11, 2006
Se outra coisa não proporcionasse, Madrid seria sempre uma cidade de descobertas. Neste momento, ando a deliciar-me com o livro de Manuel Vicent, Son de Mar (edição Santillana, 1999). Dou-vos a provar este «cheirinho»:
«Las terrazas de los cafetines del puerto estaban pobladas de veraneantes con la tripa al aire rodeados de madres que tiraban de los carritos de bebés sobre envases pringados con restos de helados y había llantos de algunos niños, gritos de muchas pandillas adolescentes que lamíam algodones de azúcar y estruendo de tubos de escape de las motos que cruzaban. Algunas ventadas del siroco se llevaban este jolgorio de la tarde de domingo hacia las afueras del barrio marinero y por la pinta de la escollera se perdía en el mar y con el viento se alejaban también las melodías de amor que cantaba el vocalista entre solos de trompeta. Era la mitad de agosto. El verano non havía entrado aún en melancolía e aunque ése había sido un día aciago en que havía finalizado una historia de pasión, la gente bailaba, escupía pipas de girasol, tomaba cerveza, sudaba y era feliz sin importarle nada que no fuera vivir ese instante (...)»
Wednesday, October 04, 2006
Monday, October 02, 2006
Para o «Asinhas»
Com um brilhozinho nos olhos
Com um brilhozinho nos olhos
corremos os estores
pusemos a rádio no "on"
acendemos a já costumeira
velinha de igreja
pusemos no "off" o telefone
e olha, não dá p'ra contar
mas sei que tu sabes
daquilo que sabes que eu sei
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos parados
depois do que não te contei
Com um brilhozinho nos olhos
dissemos, sei lá
o que nos passou pela tola [o que nos passou pelo goto]
do estilo és o "number one"
dou-te vinte valores
és um treze no totobola [és o seis do meu totoloto]
e às duas por três
bebemos um copo
fizemos o quatro e pintámos o sete
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos imóveis
a dar uma de "tête a tête"
Sérgio Godinho
Friday, September 29, 2006
A mais importante lição
Creio que já vos confessei a minha predilecção pela escritora britânica A.S.Byatt. Deixo-vos aqui um belo excerto do conto «Christ in the House of Martha and Mary», inspirado no quadro de Velásquez com o mesmo título:
«You are very young, Dolores, and very strong, and very angry. You must learn now, that the important lesson - as long as you have your health - is that the divide is not between the leisured and the workers, but between those who are interested in the world and its multiplicity of forms and forces, and those who merely subsist, worrying or yawning. When I paint eggs and fishes and onions, I am painting the godhead - not only because eggs have been taken as an emblem of the Resurrection, as gave dormant roots with green shoots, not only because the letters od Christ's name make up the Greek word for fish, and the true crime is not to be interested in.»
Monday, September 25, 2006
Friday, September 22, 2006
Thursday, September 21, 2006
Wednesday, September 20, 2006
Thursday, September 14, 2006
Poema/oração
Creio nos anjos que andam pelo mundo,/
Creio na Deusa com olhos de diamantes,/
Creio em amores lunares com piano ao fundo,/
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,/
Creio num engenho que falta mais fecundo/
De harmonizar as partes dissonantes,/
Creio que tudo é eterno num segundo,/
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,/
Na flor humilde que se encosta ao muro,/
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,/
Na ocupação do mundo pelas rosas,/
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen
Natália Correia
Wednesday, September 13, 2006
Fado do encontro
Vou andando/
Cantando/
Tenho o sol à minha frente/
Tão quente, brilhante/
Sinto o fogo à flor da pele/
Tão quente, beijando/
Como se fosses tu
Ao longe/
Distante/
Fica o mar no horizonte/
É nele, por certo/
Onde a tua alma se esconde/
Carente, esperando/
Esse mar és tu
Pode a noite ter outra cor/
E o vento ser mais frio/
Pode a lua subir no céu/
Eu já vou descendo o rio...
Na foz/
Revolta/
Fecho os olhos, penso em ti/
Tão perto/
Que desperto/
Há uma alma à minha frente/
Tão quente, beijando/
Por certo que és tu
Pode a lua subir no céu/
E as nuvens a noite toldar/
Pode o escuro ser como breu/
Acabei por T'encontrar
Vou andando/
Cantando/
Tive o sol à minha frente/
Tão quente, brilhando/
Que a saudade me deixou/
Para sempre.
Por certo/
O meu Amor és tu.
Tim
Cantado em dueto por Tim e Marisa.Do album a solo de Tim - Um e o outro.
Friday, September 08, 2006
Tuesday, September 05, 2006
O que dizer sobre um filme (um livro, um quadro, uma peça musical…) que, à partida, integramos na muito exclusiva categoria das obras-primas? Como justificar a ousadia, sobretudo quando – como é o meu caso – se desconfia deste substantivo demasiado adjectivante, pelo que contém de excesso e o, que é pior, de definitivo? E, no entanto, persisto na intenção do título desta crónica: Volver, é uma obra-prima, a primeira que me foi dada a ver em cinema nos últimos anos, talvez desde o penúltimo filme de Almodóvar, o muito aclamado Hable con Ella.
Tenho uma predilecção particular pelo realizador espanhol? Admito que sim. Gosto muito da maneira única como sempre geriu a ténue linha que separa a tragédia extrema da comédia do absurdo, mas gosto ainda mais desde que passou a ocupar-se com maior atenção do lastro agridoce que o passado vai deixando nas vidas de todos nós. Fê-lo no seu filme anterior, Má Educação, em que, como estarão recordados, abordava a amarga herança que um jovem homossexual trouxera do seminário em que fora criado. Falou-se, na altura, de ajuste de contas de Almodóvar com a Igreja Católica, mas, como sempre acontece com o seu cinema, é impossível reduzi-lo a chave tão simplista.
Volver é, se quisermos, a outra face ou o corolário lógico de Má Educação. Raimunda (Penélope Cruz) e Sole (Lola Dueñas) são duas irmãs na «casa» dos 30 anos que se mudaram para Madrid depois de uma infância numa pequena aldeia de Castilla de La Mancha, por sinal, a localidade do país em que, por causa do vento leste, se regista maior número de casos de loucura. Os pais morreram abraçados durante um dos muitos incêndios que, uma vez mais por causa dessa estranha propensão para a ventania, fustigam a região. Movidas pela responsabilidade para com vivos e mortos, as duas deslocam-se regularmente à aldeia para limpar a campa dos pais, cuidar de uma tia velha e ouvir histórias de assombrações. A mais recente sugere que quem, na verdade, trata da senhora, cega e senil, é o espírito da irmã (mãe das duas), tão lesto na limpeza do casarão como no uso de uma bicicleta de ginástica.
Superstição ou não, a verdade é que a morta (fabulosa Cármen Maura) faz tudo isto e muito mais, incluindo regressar para resolver um passado que volta sempre, independentemente das lápides que o cobrem. Mais do que reclamar justiça, volve porque aprendeu que não vale esconder o lixo debaixo do tapete. Aos 57 anos (vão longe os anos loucos da movida madrilena), Almodóvar dedica-se, assim, com a sensibilidade e a inteligência que o caracterizam, ao tema das raízes e à criatividade de Deus (ou de algo por ele) no uso das suas linhas tortas. Já o esboçara em A Flor do Meu Segredo (uma sofisticada escritora de Madrid, em plena panne criativa e conjugal, regressa ao pueblo onde nasceu para não «sentir como uma cabra sem badalo») e também em Tudo sobre a Minha Mãe (onde uma mulher irremediavelmente dilacerada pela morte do filho viaja de Madrid para Barcelona, com o objectivo de ajustar contas com esse passado que talvez não volte mas magoa indefinidamente) e desenvolveu-o amplamente em Má Educação. Com Volver, o realizador procurou – assim o afirmou em diversas entrevistas durante a preparação do filme – reconstituir a Castilla de La Mancha da sua infância, onde nos pátios dos casarões, as vizinhas sussurram experiências com o sobrenatural, acompanhadas apenas pelo zunzum de leques freneticamente agitados. Fazem-no ainda hoje (como as mães antes delas e avós antes destas), mesmo que agora (como Almodóvar mostra num dos planos mais irónicos do filme) tenham de partilhar o espaço com netas adolescentes mais interessadas na troca de SMS’s do que em manifestações do oculto. Como boa parte da filmografia do cineasta, Volver é também a homenagem a uma Espanha eterna que subsiste nas «cores de Almodóvar» de que fala a canção de Adriana Calcanhoto e na vivacidade da linguagem das mulheres, não obstante todos os índices de modernização que hoje fazem do país uma potência em crescimento. Melhor ainda: como todos os artistas que mergulham sem complexos no que é local, Almodóvar sabe ser universal. Mais do que uma homenagem à Espanha eterna, Volver constitui uma exaltação do que há de eterno na Europa mediterrânica (a que Portugal pertence, pelo menos do ponto de vista cultural). Olhamos Raimunda, a bela morena a braços com o preço da sua sensualidade, e vemos as divas do cinema clássico italiano: Loren, Cardinalli e, sobretudo Ana Magnani, como Almodóvar nos confirma no remate do filme. Estão lá: no olhar magoado, na altivez do porte, no fazer das fraquezas força. Olhamos aquelas vizinhas e reencontramos as nossas avós, de negro vestidas como a moral católica mandava às viúvas, a desfiar histórias de pasmar, pela noite dentro. A uma obra-prima não basta a excelência técnica – é preciso que implique e envolva o espectador. E Volver não é outra coisa senão o filme de todos nós.
Thursday, August 24, 2006
Tuesday, August 22, 2006
Monday, August 21, 2006
La mirada
Poder-se-ia escrever um poema inspirado na intensidade deste olhar. É do actor francês Louis Garrel, nascido a 14 de Junho de 1983, provavelmente a estrela mais recente do cinema europeu que, como se sabe, não as tem em abundância. Depois da fulguração de The Dreamers, ei-lo de volta em Os Amantes Regulares, realizado pelo pai, Philippe Garrel, em exibição no King. A fotografia a preto e branco confirma-lhe a presença e o romantismo.
Thursday, August 17, 2006
Um livro ao preço de um maço de tabaco: foi com este «ovo de Colombo» que o editor inglês Allen Lane criou a Penguin Books, consumando a chamada «revolução do paperback». Corria o ano de 1935 e, regressado de um encontro com Agatha Christie, Lane descobriu, com espanto, que a loja da estação ferroviária em que ia embarcar não tinha qualquer edição «portátil» da que era já uma das escritoras mais conhecidas da Grã-Bretanha. Decidido a mudar este panorama, apostou na criação de uma nova chancela que pusesse a grande literatura ao alcance de todas as bolsas. Assim nascia um autêntico império que, hoje, quando comemora 70 anos de existência, está espalhado por 13 países (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Irlanda, Austrália, Nova Zelândia, Índia e África do Sul), emprega cerca de 4 mil pessoas e apresenta receitas anuais na ordem dos 700 milhões de libras.
O irresistível sucesso da marca é tão mais surpreendente quando esta nasceu num mundo totalmente diverso do nosso, em condições que hoje despertam um sorriso. Ao decidir dar-lhe o nome de Penguin, Allen Lane mandou um funcionário ao Zoo de Londres para fazer uma série de estudos de pinguins. Dessa tarefa resultaria um dos logótipos mais conhecidos pelos leitores de todo o mundo. Ao módico preço de seis pences, a nova editora publicaria, logo no primeiro ano de funcionamento, uma vintena de livros, em que avultam Farewell to Arms, de Hemingway; The Misterious Affair at Styles, de Agatha Chistrie, The Thin Man, de Dashiell Hammett e The Edwardians, de Vita Sackville-West.
O sucesso foi tal que, em 1937, a Penguin criaria uma sub-empresa – a Pelican Books – vocacionada para leituras de carácter pedagógico, como, aliás, ficava demonstrado logo com o primeiro título da colecção: The Intelligent Woman’s Guide to Socialism and Capitalism, de George Bernard Shaw. Seguir-se-ia, em 1945, a abertura da colecção de clássicos da Literatura Mundial (the Penguin Classics) com a tradução da Odisseia, de Homero, por E.V.Rieu. Nesta série – totalmente reeditada no ano passado, por ocasião do seu 60ºaniversário – saíram, entre dezenas e dezenas de títulos, a Bíblia e a Epopeia de Gilgamesh. Viriam ainda a Puffin Books (para a literatura infanto-juvenil), a Allen Lane (para o ensaio), a Penguin Special (para o ensaio político) e a Peregrine Books (para guias de viagens).
Não se pense, porém, que os responsáveis da Penguin jogaram sempre pelo seguro. 1960 ficará na História da editora como o ano em que pôs à venda O Amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence. Apesar de escrito em 1928, dois anos antes da morte do escritor, o romance permanecia inédito na Grã-Bretanha devido à alegada obscenidade da sua temática (uma mulher da nobreza que procura fora do casamento a satisfação sexual que o marido não lhe proporcionava). Não seria a última vez que a Penguin enfrentaria as morais estabelecidas: no final dos anos 80, ocorreria nova polémica com a publicação de Versículos Satânicos, de Salman Rushdie. Foi o pranto, o ranger de dentes e uma chuva de ameaças entre algumas facções islâmicas radicais. Apesar das agressões cometidas contra alguns tradutores da obra fora de Grã-Bretanha, e mesmo uma tentativa de assassinato contra o seu editor norueguês, William Nygaard, a Penguin não mudou de rota. Também, no mercado livreiro, o «espectáculo» não pode parar.
Wednesday, August 16, 2006
Noite à italiana
Foi uma belíssima noite de sábado, feita da terna cumplicidade entre dois amigos que se descobrem. Tudo sob o mote da Itália, da pasta ao café, culminando na obra-prima de Antonioni, Profissão: Repórter, que está em exibição no Nimas.
Recomendo-vos vivamente. Trata-se de um road movie (género pouco habitual fora do cinema americano) em que o protagonista (interpretado por um ainda jovem Jack Nicholson) se aventura na perda de si mesmo, assumindo a identidade de um desconhecido. Tentador? Parece que sim. Farto de entrevistar, com falinhas mansas, tiranos & outros medíocres, desmotivado por um casamento sem chama, o nosso herói procura, assim, recomeçar do zero. Troca de passaporte com um morto e esconde-se pelas estradas de Espanha - de Barcelona ao extremo sul. Mas consigo carrega um novo fardo que não pode compreender. Belíssimo!
Thursday, August 10, 2006
Hot Summer in the city
Ao contrário do habitual na chamada silly season, os cinemas de Lisboa apresentam este Verão vários motivos de interesse. A saber:
1) Profissão: Repórter, no Nimas. Michelangelo Antonioni é o último sobrevivente da geração de ouro do cinema italiano constituída por Visconti, Rossellini, Fellini e Ettore Scola. Este filme, da década de 70, traz-nos um dos pontos altos da carreira do cineasta e traz-nos um Jack Nicholson ao seu melhor nível.
2) Miami Vice, de Michael Mann. Confesso que nunca pensei ir ao cinema ver tal coisa. O título evocava-me o horripilante Don Johnson enchumaçado e de penteado à Cais do Sodré. Mas estava rotundamente enganada. Embora Colin Farrell mantenha o look, o filme é uma das melhores obras do ano. Não admira: na filmografia do seu autor constam títulos maiores do cinema de acção como Heat ou Colateral.
3) Diz-me o meu amigo Thiago que o filme de animação O Fio da Vida é um deslumbramento. Como os conselhos dos amigos são os únicos que sigo, lá estarei, no fim-de-semana, no Alvaláxia (argh...) para partilhar do seu encantamento.
Tuesday, August 08, 2006
Mulher em viagem
O que mais aprecio na livraria Galileu, em Cascais, para além do cavalheirismo do seu proprietário, é a capacidade de nos surpreender com promoções sempre diversas. No domingo passado, depois de um banho de mar, encontrei um livro de contos de uma das minhas autoras de eleição: a britânica A.S.Byatt, autora de Possession, que já foi adaptado ao cinema, e lhe valeu o Booker Prize.
Na mala de mão trago agora Elementals - Stories of Fire and Ice e estou a ler o primeiro conto, «Crocodile Tears». E posso dizer-vos que cada frase é uma revelação que me diz muitíssimo:
«She has though abou this before. Vanishing without trace was an idea that had teased through all the happy years of her married life, her working life. The idea that it was possible to vanishm that there was nothing ineluctably necessary about her work, or her home, was a condition of her pleasure in those things.»
Friday, August 04, 2006
Filosofia, nossa amiga
«Mas a coisa mais importante nesta minha arte é poder, em todas as situações, saber se a mente está a dar-me uma mera imagem, uma impostura ou um filho real e genuíno.», Platão
«Assegurar a felicidade própria é um dever, pelo menos indirectamente; pois que o descontentamento com a própria situação pessoal, sob a pressão de diversas angústias e de desejos insatisfeitos, pode facilmente transformar-se numa grande tentação para transgredirmos o dever.», Kant
fotos de Sarah Moon
Thursday, August 03, 2006
Thursday, July 27, 2006
Monday, July 24, 2006
Wednesday, July 19, 2006
A propósito de Os Piratas das Caraíbas, que estreia amanhã, 5ªfeira, nos cinemas de Lisboa
O cinema contribuiu para o estranho fascínio exercido, ainda hoje, pelos piratas. Em primeiro lugar porque, ao contrário do que acontece nos westerns, Hollywood atribuiu-lhes uma qualidade de contra-poder, mostrando-os como o ladrão que roubava a ladrão e que se, não obtinha cem anos de perdão, conquistava, pelo menos, a simpatia dos espectadores. Esta opção torna-se muito evidente em filmes como The Spanish Main ou em Captain Blood. No primeiro caso, Van Horn ter-se-á tornado o «terror das Caraíbas» após prolongada sujeição à tortura infligida pelo governador espanhol de Cartagena de las Indias. No segundo, Peter Blood, um médico inglês condenado à escravatura por um crime que não cometeu, torna-se, por desespero, um pirata que trata com humanidade e alguma democracia a turba que comanda. Esta representação do pirata como vítima do sistema que o marginalizou é levada às últimas consequências em Tempestade na Jamaica, de Alexander MacKendrock (1965), em que o grupo de piratas liderado pelo Capitão Chavez (Anthony Quinn) é traído pelas crianças de que tinham cuidado com inesperados desvelos.
Na maioria dos filmes do género, esta generosidade mal orientada será devidamente recompensada com a redenção. O que, para gáudio das plateias, acontece graças a uma menina tão virtuosa quanto determinada a não se submeter à abordagem do pirata. Se resistia à primeira bofetada, então é certo que o marinheiro chegaria a bom porto. Autoproclamando-se bom conhecedor da psicologia feminina, Jamie Boy (Tyrone Power, em The Black Swan), adverte a sua ruiva temperamental (Maureen O’Hara) que «em Tortuga [autêntico ninho do piratas no mar das Caraíbas], quando uma mulher esbofeteia um homem, isso significa que ela quer que ele a domine completamente e a cubra de beijos».
A propósito deste tema que, confesso, me é caro, gostaria de recomendar a leitura de Os Piratas - Piratas, Flibusteiros, Bucaneiros e outros Párias do Mar (edição Antígona). Da autoria do ensaista francês, Gilles Lapouge, é um texto cativante sobre a pirataria, quer do ponto de vista historiográfico, quer ensaistico. Para além de evocar as muitas aventuras de temíveis criaturas como o Capitão Morgan ou Anne Bonnie, esta obra reflecte de forma muito bela sobre este fenómeno: «O pirata é um homem descontente. O espaço que lhe consentem a sociedade ou os deuses parece-lhe exíguo, nauseabundo, desconfortável. Sujeita-se por uns breves nos e depois diz "estou farto" e recusa-se ao jogo».
Thursday, July 13, 2006
Arte russa em Bilbao
Bilbao está ao «virar da esquina» (não estou a brincar, a Iberia tem, de facto, umas tarifas muito convidativas) e a exposição «!Russia», patente até 3 de Setembro no Guggenheim, vale a viagem. Dos ícones medievais à actualidade, passando pela interpretação da tradição pictórica europeia nas cortes dos primeiros Romanov e pela arte do período revolucionário, muito há para ver numa viagem que demora uma tarde bem passada.
Tuesday, July 11, 2006
Thursday, July 06, 2006
Monday, July 03, 2006
Graças a este homem - Ricardo, 30 anos, nado e criado no Montijo - a minha geração já tem uma história para contar, equiparável aos mil vezes reconstituídos dramas protagonizados pelos magriços de 66. É disto que gosto no futebol: a sua capacidade de criar grandes histórias, em que rapazes humildes se elevam da sua banal condição para a de lendas vivas. Uma espécie de versão masculina da Gata Borralheira.
Thursday, June 29, 2006
Bilbao
Há cidades que são como pessoas marcadas. Não podem ser ligeiras nem tão pouco amáveis. São Paulo, Hanói, Bilbao...
Chega-se e encontra-se uma manifestação de operárias conserveiras vigiada por carros blindados da Guardia Civil. Não vá a ETA tecê-las... Vota-se à indiferença a performance da selecção espanhola no Mundial mas, por comodidade, já não se fala basco na vida de todos os dias. Bilbao tem a estranha beleza dos lugares marcados por uma sociologia difícil. Mesmo depois de Frank Gehry e do Museu Guggenheim a terem colocado no mapa do turismo cultural.
fotos de MJM
Tuesday, June 27, 2006
Tuesday, June 20, 2006
O Mar, O Mar por Iris Murdoch
Há livros que têm a arte de nos agarrar logo às primeiras linhas. É o caso deste (confesso, gosto muito da britânica Iris Murdoch):
«O mar que se estende à minha frente enquanto escrevo resplandece, mais do que cintila, sob um morno sol de Maio. Com a mudança de maré, reclina-se calmo contra a costa, quase liso, sem espuma nem ondulação. Nas proximidades da linha do horizonte é de um púrpura voluptuoso, atravessado por linhas regulares de verde-esmeralda. No horizonte é cor de anil. Junto à praia, onde a minha vida é enquadrada por cabeços de rocha amarelada, vê-se uma faixa de um verde mais calmo, frio e puro, menos luminoso, mas opaco, não transparente. Estamos no Norte e o brilho do sol não consegue penetrar as águas.»
Sinto que mesmo que estivéssemos no deserto, vê-lo-íamos.