Poesia de António Ferra
Escreve como pinta: com uma inteligência feita de sensibilidade aos mais infímos pormenores.Discreto, atento, senhor de uma imaginação exuberante, chama-se António Ferra e é hoje um dos meus melhores amigos. Um privilégio, digo-vos. Senão leiam o excerto deste poema, parte do seu novo livro, A Palavra Passe (edição Campo das Letras):
Perdi a password
E se eu não me lembrasse do código do multibanco/
e ali ficasse de pé em frente da máquina,/
de mãos trémulas, a introduzir o cartão/
até três vezes, três vezes remexendo os bolsos da cabeça/
cheia de tanto material provavelmente inútil,/
mas que eu teimo em guardar, não vá o diabo tecê-las,/
no medo de deitar fora uma recordação de infância/
misturada com o número do bilhete de identidade,/
no medo de perder o registo daquele beijo interminável/
a preencher-me o corpo ainda sensível à memória,/
no medo de encontrar entre ficheiros e afectos,/
algum trauma que ninguém removeu ainda,/
porque se fez de ácido e sabonete de glicerina e pó-de-talco/
ausonia? (uma senhora dos anos vinte a enfeitiçar-me a líbido/
recalcada de culpa, temores e incertezas.)
Monday, December 18, 2006
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1 comment:
Que previlégio ter amigos, que escrevem assim...lindo o post e a homenagem.
Jinhos.
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