Wednesday, November 23, 2005


Miss Bacall

Gostava de ser assim. De ter este olhar entre a insinuação e o desdém. De chegar ao pé do eleito do meu coração e dizer-lhe «Just put your lips together and blow» sem que isso soasse a erudição de pacotilha. Falo de Miss Lauren Bacall, uma das mulheres mais sedutoras da História, que, aos 19 anos, casou com Humphrey Bogart para depois provar que não era só (e já não era pouco) o amor da vida de um mito. Aos 81 anos continua a ter uma presença tão forte como quando contracenava com Bogart ou Gregory Peck e não abdica de ser uma voz crítica. Em entrevista ao El Pais Semanal (de 20/11), afirma, desassombrada: «A mediocridade hoje afecta tudo. O nível deste país caíu a pique, superando a vulgaridade (...). Para cúmulo, temos o pior presidente da História. Ser norte-americano podia ser um orgulho no meu tempo, mas agora, com este idiota... Eu tinha Roosevelt num altar, era meu pai, meu herói».

Monday, November 21, 2005



Planos para fazer a trouxa

... Ou não chegar a desmanchá-la. Vi este livro na Bertrand do Chiado e não resisti. A autora, jornalista da Condé Nast Traveller e outras publicações especializadas, escolhe lugares de sonho nos cinco continentes e diz porquê, incluindo de Portugal, Óbidos, Estremoz, Évora, Marvão e o Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Ainda que, por uma questão de €, seja melhor esquecer as sugestões de alojamento, não deixa de proporcionar alguns prazeres por antecipação.

Friday, November 18, 2005

Contos de António Manuel Venda

É um jovem autor de vasta obra narrativa. Depois de publicar vários romances, regressa (e bem) à dura disciplina dos contos com o livro O Amor por entre os Dedos, editado na bela Colecção Literatura Universal da Ambar. Vai acompanhar o meu fim-de-semana e começa assim: «Promessas de que não haveria de ficar atrapalhado, isso tinha o jovem escritor feito muitas. A si próprio. Em certos momentos, tinha-se achado seguro, muitos momentos até, mas agora, na auto-estrada, quase a chegar, começava a sentir-se inquieto, nervoso, como se o medo entrasse mesmo através dos vidros do carro. De onde é que viria o medo? E como seria capaz de entrar, com o carro a passar dos cento e vinte?»


Cumplicidade profunda é...

... Ver O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes (a versão original, entenda-se) na RTP Memória, enquanto ao telefone se comenta a beleza de cada plano.

Wednesday, November 16, 2005






Em louvor dos trintões

É um rapaz da «minha criação» e uma das caras mais bonitas do futebol internacional. Aos 37 anos, o italiano Paolo Maldini renovou o contrato com o seu clube de sempre (o A.C Milan), pulverizando os records de longevidade dum jogador na sua posição. Se ele é velho, eu quero trabalhar num centro de dia.

Tuesday, November 15, 2005



Um filme a não perder

O meu fim-de-semana não foi só frivolidade, asseguro-vos. Domingo à noite, depois de tanta reviravolta por essa cidade fora, sentei-me no sofá e vi o DVD de Pollock que, estupidamente, perdera no cinema. Fiquei deslumbrada por esse exercício de inteligência tecido em torno da complexa personalidade de Jackson Pollock, considerado por alguns o melhor pintor norte-americano do século XX. Realizado pelo seu principal actor (o excelente Ed Harris, a quem, salvo erro, Hollywood ainda não brindou com o Oscar), mostra como em Pollock genialidade convivia com neurose e um ego descomunal que sacrificava todos à sua passagem, a começar - como é uso nestes casos - pela própria mulher.

Monday, November 14, 2005

Um fraco por trapinhos

Sim, confesso que gosto de moda, coisa que cria alguma perplexidade no «ganha-pão». No passado sábado, acompanhada pela minha cúmplice favorita nestas matérias, furei entre a turba de adolescentes enlouquecidas, enfrentei, (quase) sem um instante de ira, o ineficaz atendimento do «H&M» lisboeta. Motivo: a pequena colecção desenhada por Stella MacCartney para esta cadeia «low-price». O sucesso foi tal que, ao fim de poucos dias na loja, já eram muito poucas as peças sobrantes, mas, in extremis, ainda consegui uma túnica que me vai dar muito jeito numa festa que eu cá sei.

Friday, November 11, 2005




O menino dança?

Esta noite, às 22, os Pink Martini subirão ao palco da Aula Magna. Com um título destes no blog, claro que não poderia faltar. Puro divertimento, este grupo multi-nacionalidades encara cada canção como se fosse um filme - daqueles italianos dos anos 50/60, com baixo orçamento, mas cheios de charme.

Tuesday, November 08, 2005




Morreu John Fowles

Sou uma mocinha razoavelmente decidida mas nunca consegui fazer listas de livros (ou filmes) favoritos, ou pelo menos, de dá-las como definitivas. Sei, no entanto, que se as fizesse o romance A Amante do Tenente Francês estaria lá, hoje e sempre. Quando dava aulas, usava-o para explicar o século XIX aos alunos, mas o livro é tão bem construído que ultrapassa facilmente quaisquer categorias literárias a que o queiramos submeter. John Fowles, o autor britânico que o escreveu, morreu no passado sábado, aos 76 anos. Esta é, pois, uma breve nota de homenagem.

Monday, November 07, 2005

O que foi não torna a ser

(em jeito de resposta à Pé)

Há uma espécie de sabedoria interna nas relações. Talvez não pareça, sobretudo quando sentes - como eu já senti tantas vezes - que dás mais, muito mais, do que recebes. Experimenta não lutar tanto, deixa-te ir na corrente como quando estás concentrada na tua natação: inspira, expira, pensa só na massagem da água nos teus membros. Já fui amiga de todo o género de pessoas, algumas trairam-me; outras, pura e simplesmente, desapareceram de circulação; outras ainda ficaram porque tudo nos une, mesmo as diferenças de comportamento ou de destino. Das que desapareceram de circulação, algumas durante longos anos, houve quem voltasse. Sabemos que o que foi não torna a ser, como cantam os Xutos, mas não temos medo porque, afinal, pode ser muito melhor. Regressaram porque, apesar de tantas voltas que a vida dá sobretudo com a mobilidade que hoje é possível, nunca tinham partido completamente. Ontem reencontrei uma amiga de infância. Não nos víamos há uma eternidade - talvez 15, 18 anos - e retomámos a conversa com a facilidade de quem se vira na véspera. A outros perdi-os de vista há um mês e já não sei como retomar o contacto. Não sei exactamente porquê. Alguns não serão piores pessoas do que os que me acompanham vida fora, mas, para citar o lugar-comum, o coração tem razões que a razão desconhece. Creio que há que decifrá-las devagarinho, sem amargura nem fugas para a frente.

Friday, November 04, 2005


«I know nothing in the world that has as much power as a word. Sometimes I write one, and I look at it, until it begins to shine»
Emily Dickinson

Colei esta frase na capa do Moleskine que abri hoje. Também eu preciso da palavra que me ilumine o caminho da escrita.


Wednesday, November 02, 2005


Estão perdoados. O sentido de humor ajuda sempre a desculpar qualquer coisinha.


A noite das bruxas foi uma verdadeira festa que teve o seu momento alto quando, para exorcizar agouros, lemos este uníssono esta ladaínha que mão amiga atirou para o caldeirão

Ladainha da Grande Queimada das Bruxas

Sapos e bruxas, mouchos e crujas,
demonhos, trasgos e dianhos, spírtos das eneboadas beigas, corvos, pegas e meigas,
feitiços das mezinheiras, lume andante dos podres canhotos furados,
luzinha dos bichos andantes, luz de mortos penantes,
mau olhado, negra inveija, ar de mortos, trevões e raios, uivar de cão, piar de moucho,
pecadora língua de má mulher casada cum home belho.
Vade retro, Satanás, prás pedras cagadeiras!

Lume de cadávres ardentes, mutilados corpos dos indecentes peidos de infernais cus.
Barriga inútil de mulher solteira, miar de gatos que andam à janeira, guedelha porca de cabra mal parida!
Com esta culher levantarei labaredas deste lume, que se parece co do Inferno.

Fugirão daqui as bruxas, por riba de silbaredos e por baixo de carbalhedos, a cabalo na sua bassoira de gesta, pra se juntarem nos campos de Gualdim. pra se banharem na fonte do areal do Pereira...
Oubide! Oubide os rugidos das que estão a arder nesta caldeira de lume.
E cando esta mistela baixe polas nossas gorjas, ficaremos libres dos males e de todo o embruxamento.

Forças do ar, terra, mar e lume, a vós requero esta chamada: Se é verdade que tendes mais poder que as humanas gentes, fazei que os spírtos ausentes dos amigos que andam fora participem connosco desta queimada!


Monday, October 31, 2005

Your Hidden Talent
You have the natural talent of rocking the boat, thwarting the system.And while this may not seem big, it can be.It's people like you who serve as the catalysts to major cultural changes.You're just a bit behind the scenes, so no one really notices.
Por proposta de uma amiga, fui espreitar este site e deu este resultado. May be it's true, may be not, mas vale a pena espreitar. Agora vou cozinhar uma abobóra gratinada para a noite em que todos os espíritos andam à solta.

Wednesday, October 26, 2005

Há mais «Marias» na terra

Pela primeira vez na minha vida profissional foi com algum pesar que entreguei uma factura de táxi na secretaria do «ganha-pão». Aquela era especial, tinha uma particularidade que decerto a tornava diferente de todas as outras, correndo mesmo o risco de vir a proporcionar alguns equívocos históricos, mas divertidos. A matrícula era normalíssima, o trajecto também, o valor nem sequer era exorbitante, mas, no espaço destinado à assinatura do motorista podia ler-se distintamente... Jorge Sampaio.

Monday, October 24, 2005

Perna ou peito?
Um génio da engenharia financeira vê-se obrigado a mudar de rosto para escapar a todos os que buscam a sua captura. Doravante, nada nem ninguém o poderá identificar, a não ser um simples gesto na direcção de Chiara Manzoni. O homem que insistir em ficar ao lado dela, nas mais piores condições, não pode ser outro senão ele, Anthony Zimmer, a personagem que dá nome ao (primeiro) filme do francês Jérôme Salle, agora em exibição.
Um escroque da alta finança que arrisca a vida para rever, uma vez que seja, o amor da sua vida pode ser coisa de filme, mas é algo a que nenhuma mulher resiste. Na melhor tradição de Hitchcock, Salle conta-nos a história deste ladrão romântico, mesclando criativamente as tradições de Ladrão de Casaca e de Intriga Internacional. Na cena de sedução no TGV, Sophie Marceau pode não ser Eve Marie Saint nem Grace Kelly, mas cria uma real atmosfera de tensão erótica. Por momentos, quase esperamos ouvir-lhe a imortal pergunta da que viria a ser Sua Alteza Sereníssima: «Perna ou peito?»

Friday, October 21, 2005


O porquê de uma eleição

A gargalhada estridente de Angelica (Claudia Cardinale) a perturbar a paz beata dum jantar em casa dos Salina; os sapatos apertados do arrivista Don Calogero Sedara; a longa sequência do baile que, na verdade, é uma cerimónia de passagem de testemunho duma classe social a outra - são apenas algumas das possíveis razões que levaram os leitores (acidentais ou não) deste blog a eleger O Leopardo como o melhor filme do italiano Luchino Visconti. Em parte, a escolha coincide com a minha. É, de facto, aquele de mais gosto - aliás, aquele que mais amo porque, em matéria de Visconti, recuso-me a usar palavra tão poucachinha como «gostar». Mas a verdade é que também não me chocaria escolher Violência e Paixão, Os Malditos ou O Intruso. Não gosto tanto de Morte em Veneza, que aqui aparece em segundo lugar, embora admita que, por causa deste mesmo filme, não deixo de ouvir Mahler (o compositor que prefiro) sem o associar à agonia de desejo de Dirk Bogarde. Ao contrário de Fellini, que recebeu quatro Oscars da Academia de Hollywood, Luchino Visconti nunca foi um realizador consagrado pelos poderes, talvez porque não escondia que, para além de infinitamente requintado e de descender dos Condes de Milão, era comunista e homossexual. Não fazia filmes perfeitos (há quem diga que O Leopardo é desequilibrado) mas realizava cinema com o mesmo grau de exigência que punha na direcção de óperas protagonizadas pela Callas. Era único como todos os que aspiram ao absoluto.

Thursday, October 20, 2005


Bonecas

Acredito que a boneca preferida é o primeiro amor de uma menina. A minha (cuja fotografia reproduzo acima) era a Leslie, apelidada de «la hermanita de Nancy» pela Fábrica de Muñecas Famosa. Dormia na minha cama e lembro-me de acordar sobressaltada porque sonhara que a deixara esquecida em qualquer parte. Alertada por pesadelos tão antigos, quando saí da casa da minha infância, levei-a para a casa de adulta, reservando-lhe lugar de honra na pequena colecção de bonecas que tenho vindo a fazer. Sei que, na maior parte dos casos, essa ternura nunca se perde totalmente, talvez porque fui educada por uma mãe que tratava carinhosamente Leslie e o seu «exército de irmãs». Penteava-as e fazia-lhes roupas com requintes que eu nunca saberei reproduzir - vestidos em malha de pena de pavão e saias debruadas a renda. Mãe já não tenho mas guardo, religiosamente, esses vestígios de supremo amor.



Monday, October 17, 2005




Fritz Lang

Fui ver The Blue Gardenia por engano. Li o título no Público e decidi ir, persuadida que ia ver um policial negro, muito forties, com o Alan Ladd e a Veronica Lake. Saíu-me um policial, sim, mas de Fritz Lang, porque, na verdade, baralhei as «flores» (o outro é The Blue Dahlia). Devo dizer, no entanto, que a intuição, ou o que quer que me tenha levado à Cinemateca num sábado de Porto-Benfica, não poderia ter sido melhor. Ao estilo do realizador alemão (emigrado para os Estados Unidos e para Hollywood por causa do nazismo), «saiu» uma intriga policial desenvolvida com um contenção narrativa absolutamente contemporânea, com muitos níveis de análise e compreensão, alguns dos quais remetem para o ambiente de perseguição que o «maccartismo» criava nos E.U.A à altura em que Lang realizou The Blue Gardenia. Na folhinha que a Cinemateca habitualmente distribui aos espectadores, João Bénard da Costa escreve: «(...)o cinema é tanto coisa de sons como coisa de imagens. E que para quem está in como para quem está off (personagens-espectadores) é preciso tanta atenção a uns como a outros. Só assim se faz um grande filme sobre pequenas pessoas. Só assim se tem um alto olhar sobre um baixo mundo».

****
A propósito de cinema, não percam Alice, de Marco Martins. É um grande filme em qualquer parte do mundo.

Friday, October 14, 2005

Tiago

Às vezes corro atrás de foguetes, mas é ao colo dele que volto sempre. Fico por ali, naquela paz de não ter de fazer pose. Em troca, ele finge que não percebe como, às vezes, estou lixada com a vida e ri-se muito das minhas graças de vilã de pés de barro. Somos ambos dramáticos, caóticos, imprudentes e implacáveis com as muitas víboras de língua bífida que rastejam por aí. O mundo não nos chega, mas ele vai bem mais longe do que eu. Agora está no Nepal e manda aos amigos excertos do diário que vai escrevendo com a muita arte de que foi dotado: «Escrevo estas linhas sentado nas arquibancadas de Namche Baazar a 3440 m de altitude. Aqui faz sentido dizer que sou o rapaz do poema de Mário Cesariny de Vasconcelos a quem apetece dar um salto, dançar comigo e evolar-me nos ares feito nada. Caminhamos 6 horas por trilhos intocados onde judas perdeu as botas (e outros como ele). O trilho mais soberbo, íngreme como uma escada de caracol a caminho do infinito, dá de caras com o Evereste, a montanha mágica e horrenda, venerada como o deus Hanuman».

A partir de amanhã, estará incontactável mas pede que o sintamos no coração. É o irmão que a vida me deu.

Thursday, October 13, 2005


«Concurso» de ideias

Confesso: tenho um fraco por histórias de bruxas, fantasmas & outras assombrações, daquelas à Daphne du Maurier. Amanhã mesmo, à meia noite, estarei no Convento do Carmo, não para me transformar em qualquer coisa, mas para assistir ao lançamento de mais um volume do Harry Potter.
Tal singularidade no perfil leva-me, pois, a apreciar particularmente a tradição do Halloween. Este ano gostava de fazer uma celebração. Nesse sentido, venho solicitar algumas ideias ao respeitável publico deste blog - onde? como? o que fazer? O(s) vencedor(es) poderão optar entre gostosuras ou travessuras.

Tuesday, October 11, 2005


Delito de dançar o chá-chá-chá

Tomo de empréstimo o título do livro de Guillermo Cabrera Infante para vos confidenciar que hoje começarei as minhas aulas de Danças Latinas. Adoro dançar - sempre adorei - mas alimento a secreta esperança de, um dia destes, substituir a chã «abanadela de capacete» pelo domínio das técnicas da salsa, rumba e chá-chá-chá. Aos meus amigos mais cool, prometo desde já que não dançarei de rosa na boca.

Monday, October 10, 2005

foto de Gérard Castello-Lopes

Hora de virar páginas

... Porque há que deixar morrer para continuar, vida fora...

Adeus Português

Nos teus olhos altamente perigosos/
vigora ainda o mais rigoroso amor/
a luz dos ombros pura e a sombra/
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo/
à roda em que apodreço/
apodrecemos a esta pata ensanguentada que vacila/
quase medita/
e avança mugindo pelo túnel/
de uma velha dor/

Não podias ficar nesta cadeira/
onde passo o dia burocrático/
o dia-a-dia da miséria que sobe aos olhos vem às mãos/
aos sorrisos/
ao amor mal soletrado/
à estupidez ao desespero sem boca/
ao medo perfilado à alegria sonâmbula à vírgula maníaca/
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo/
em trânsito mortal até ao dia sórdido/
canino/
policial até ao dia que não vem da promessa/
puríssima da madrugada/
mas da miséria de uma noite gerada/
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo/
à pequena dor que cada um de nós/
traz docemente pela mão/
a esta pequena dor à portuguesa/
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces/
esta roda de náusea em que giramos/
até à idiotia/
esta pequena morte/
e o seu minucioso e porco ritual/
esta nossa razão absurda de ser

Não, tu és da cidade aventureira/
da cidade onde o amor encontra as suas ruas/
e o cemitério ardente/
da sua morte tu és da cidade onde vives por um fio/
de puro acaso/
onde morres ou vives não de asfixia/
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro/
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante/
que vai ser que já é o teu desaparecimento/
digo-te adeus/
e como um adolescente/
tropeço de ternura/
por ti

Alexandre O'Neill
Não vou por aí

Isto é aquilo a que o meu amigo António Ferra chama um separador. Mas não é inocente - constitui uma piscadela de olho a todos os que podem não saber para onde vão, mas não vão por aí.

Thursday, October 06, 2005

Adeus, avó

A avó morreu, depois de 90 anos de uma vida muito difícil. Existem poucas coisas tão perturbadoras como as lágrimas dum pai.

Tuesday, October 04, 2005




Nunca seremos demais. Amanhã, 5 de Outubro, entre as 10 e as 13 horas, estarei na caminhada rosa, no Parque do Monsanto. Objectivo: reforçar as armas contra o cancro na mama.

Monday, October 03, 2005



Mais uma dica de leitura

Como bisbilhoteira que sou, adoro livros de memórias, correspondência e diários. Neste momento, detenho-me sobre Cuadernos de Todo, de uma escritora espanhola de que gosto muito - Carmen Martín Gaite (Salamanca, 1925 - Madrid, 2000). Embora ainda esteja no início dum volume de 860 páginas, já encontrei a lucidez e inteligência que caracterizam toda a obra da autora. Aí vai um excerto só para abrir o apetite:

«Hay un inveterado desprecio contra el que se aísla a pensar. Si uno tiene dinero y va de putas o a jugar al golf no se indigna ni la mitad que si uno tiene dinero y se pone a estudiar o a comprarse libros, en vez de comprarse un coche, que sería lo adecuado. No se le envidia, cosa que siempre me ha chocado mucho.»

Friday, September 30, 2005


Manual de civilidade para meninas rabinas

Sim, é verdade que os contraceptivos foram inventados para libertar a mulher do secular terror duma gravidez indesejada. Também ninguém põe em causa que, graças ao esforço das sufragistas de há 100 anos, somos agora seres políticos de pleno direito - elegemos e somos eleitas, tal como os homens da nossa vida. Vamos à Universidade em maior número do que eles, diga-se - em abono da verdade - com nefastas consequências para a alegria de alguns cursos. E, no entanto...

E, no entanto, minhas senhoras... nada de euforias. Diz-me a minha longa experiência de menina rabina que, 30 anos depois da revolução dita dos cravos, as mentalidades, mesmo entre pessoas que votam à esquerda, não distam muito das expressas pela revista Menina e Moça, órgão oficial da Mocidade Portuguesa Feminina. Por isso, caras amigas, se querem singrar, airosamente e em velocidade de cruzeiro na sociedade portuguesa, tomem juízo e sigam estes meus conselhos:

1. Case-se, por amor de Deus! O homem pode ter um sovaquinho incontornável; cortar as unhas em público e não ter qualquer respeito por si, mas é um homem e deve ser tratado como um animal em vias de extinção. Só a presença dele no maple e em alguns jantares assegurará que você não é uma pobre criatura desasasada.
2. Dirija-se aos seus superiores com um fiozinho de voz. Sabia que a Bette Davis é a actriz mais detestada pelos homens? Francamente, do que estava à espera? Que eles apreciassem aquele sorriso desdenhoso e aquela voz segura de si? Por isso, faça de conta que vai entrar numa unidade de cuidados intensivos e implore a sua sábia orientação. Se não o fizer a um ritmo quase diário, arrisca-se a ouvir um ultrajante: «Por que diabo não és tão doce e envolvente como a Belinha ou a Patuxa?»
3. Não aprecie os homens com o mesmo à vontade com que eles falam das nossas mamocas. Mesmo que eles sejam os seus melhores amigos, mesmo que partilhem consigo as bejecas e a taça de amendoins, não gostam de a ouvir comentar os atributos físicos de outros homens. Não se iluda, aquele olhar reprovador significa apenas uma coisa: «Com que então ninfomaníaca?»
4. Não se mostrem demasiado dinâmicas e seguras do caminho que querem seguir. Como escrevia a referia revista Menina e Moça, as mulheres demasiado dinâmicas são «o terror dos que aspiram à tranquilidade». A amiga pensava que 20 anos na escola lhe permitiam ser dona do seu destino? You stupid woman! Você nasceu mulher e, como tal, deverá ser um espírito pacato e facilmente conformável com as circunstâncias. Isto foi escrito em 1941? Sim, mas, já dizia o Salazar, que «os homens mudam pouco, os portugueses quase nada».E - deixem que vos diga - ele sabia do que falava.


Vá, meninas, não sejam preguiçosas. Treinem e cantem comigo: «I'm a Barbie girl/with a barbie face...»

Forever young

Faz hoje 50 anos - esta «estrela» subiu ao céu. Ficou-nos apenas um «rasto» de luz.


Tuesday, September 27, 2005

Poema sobre a canção da esperança

Dá-me lírios, lírios,/
E rosas também./
Mas se não tens lírios/
Nem rosas a dar-me, /
Tem vontade ao menos/
De me dar os lírios/
E também as rosas./
Basta-me a vontade,/
Que tens, se a tiveres,/
De me dar os lírios/
E as rosas também,/
E terei os lírios -/
Os melhores lírios -/
E as melhores rosas/
Sem receber nada, /
a não ser a prenda/
Da tua vontade/
De me dares lírios/
E rosas também.

Álvaro de Campos

Monday, September 26, 2005

Carole Lombard
O destino fez dela uma diva trágica de Hollywood, mas, no écran, foi uma das mulheres mais divertidas de sempre. Como poderemos ver durante o mês de Outubro na Cinemateca Portuguesa, era bela, talentosa e sofisticada. Morreu aos 34 anos, num desastre de avião, durante uma campanha que visava despertar a opinião pública norte-americana para a necessidade do envolvimento na IIª Guerra Mundial. Em terra, de coração despedaçado, ficava Clark Gable, com quem casara em 1939.

Friday, September 23, 2005


«The Kiss», Robert Doisneau


Valsinha da repartição

E um dia ele chegou, encostou-se ao armário, disposto a fazer sala a pretexto duma banalidade qualquer. Mas ela, afogueada como uma menina de escola, soube logo que ele tomara a decisão de acabar com anos de silêncio pesado como é o dos desejos insatisfeitos, de olhares furtivos, gestos apenas esboçados. Já não podem brincar às escondidas no corredor. Têm os dois a mesma idade, que é a de terem juízo. Suspeito que não o terão.

Tuesday, September 20, 2005



Café et cinéma à Paris (ou a sonhar com isso...)

Há muitas maneiras de conseguir o impossível, isto é, de alegrar uma tarefa tão empolgante como uma corrida de caracóis. Neste caso, recorro ao CD Café de Flore 2, que tem a arte de combinar dois «vícios» de que não me separarei, nem por imposição médica - o café e o cinema. «Ambientado» no parisiense «Café de la Flore», à Saint-Germain-des-Près, reúne Catherine Deneuve (a cantar «Toi Jamais», como no filme Huit Femmes), Ann-Margret, Juliette Greco, Serge Gainsbourg, Dimitri from Paris com os (meus queridos) Pink Martini e até o actor Anthony Perkins (sim, esse mesmo, o inquietante protagonista de Psycho) a interpretar um dos «hinos» da cidade-luz: «Il n'y a plus d'après», escrito por Guy Béart para «La Greco».
A propósito de Paris e seus cafés, a propósito de cinema, creio que recordarei para sempre a minha última estada na capital francesa, nomeadamente um jantar no restaurante Le Grand Colbert. Não porque a refeição fosse extraordinariamente apetitosa, mas porque, a meio da mesma, descobri que ali fora rodada uma cena chave de Something Gotta to Give. Cinéfila fetichista, delirei à ideia de que, ali mesmo, naquela mesmíssima sala, tinham estado sentados Jack Nicholson, Diane Keaton e Keanu Reeves. A animação da noite não se ficou por esta descoberta. Em plena sobremesa raffinée, alguém na nossa mesa alertou para a chegada dum visitante inesperado. Não, não era o Nicholson que voltava ao local de filmagens, nem tão pouco o fantasma de Colbert que assombrava o luxuoso restaurante baptizado em sua honra. Tratava-se apenas dum ratinho que, oriundo da cozinha, atravessava a sala em busca duma saída airosa para a sua incursão. Alguém aventou que talvez fosse «le petit Colbert», mas a coisa passou-se sem que o bon chic, bon genre do local saisse beliscado. Le Grand Colbert continua na lista dos «best places to kiss at Paris».


Monday, September 19, 2005


Livros da minha vida, I

«As famílias felizes assemelham-se todas; as infelizes são-no cada uma à sua maneira». É com esta frase (ou, pelo menos, com esta ideia) que abre o romance de Leo Tolstoi, Anna Karenina. É um dos livros que levaria, sem hesitações, para a tal ilha deserta de que tanto se fala... Li-o há vários anos numa tradução do Russo para Inglês, quando a longa agonia de minha mãe me fazia sentir que atravessava um túnel sem luz à vista. E aquelas personagens, que a serem «verdade» teriam vivido num mundo tão diverso do nosso, proporcionavam-me uma reconfortante companhia. Ainda hoje não consigo saber como alguém que escreveu uma epopeia tão absorvente como Guerra e Paz, ainda arranjou tempo e génio para produzir um drama passional tão denso como este, onde, contrariando maniqueísmos fáceis, cada personagem é um mundo.
Recordo este livro a propósito da transmissão, na RTP, no passado sábado, daquela que é justamente considerada a melhor adaptação cinematográfica das várias que o romance de Tolstoi teve - a de Clarence Brown, protagonizada por Greta Garbo e Fredric March. Assinalava-se assim o centenário do nascimento de Garbo. Da melhor forma. Setenta anos depois de realizado o filme, o encontro de Anna com o Conde Vronsky, na estação de caminhos-de-ferro de Moscovo, ainda corta a respiração.

Thursday, September 15, 2005




Este post é para o «Cebolinha», o que, como sempre, não exclui os outros queridos leitores

Legenda para a vida de um vagabundo



Nasci vagabundo em qualquer país, /

minhas fronteiras são as do mundo./

Esta sina vem-me no sangue:/

não me fartar! Um desejo morto,/

mais de dez a matar. /



O caminho é longo!… /

— Mas nada é longe e distante/

quando se quer realmente… /

E nunca o cansaço é tão grande/

que um passo mais senão possa dar. /

Joaquim Namorado

Wednesday, September 14, 2005



Dica de leitura

O destino das grandes cortesãs da História sempre deu muito que sonhar. De Cleópatra à Bela Otero passando por Diana de Poitiers ou Ninon de Laclos são muitas as mulheres de destino excepcional que Susan Griffin evoca no seu livro, The Book of Courtesans - A Catalogue of Their Virtues. Fruto de um rigoroso trabalho de investigação, esta obra demonstra como algumas destas cortesãs seduziram tanto pelos dotes físicos como pelo brilho das suas inteligências. Como se as animasse o próprio espírito de Xerazade.

Monday, September 12, 2005



Fim de Verão

Não estou a enterrar na areia os amores deste Verão, mas gosto - sempre gostei - do novo alento que Setembro traz à vida. Volver a empezar, dizem os espanhóis e é disso que se trata. Para saborear a estação apenas há que substituir os prazeres que o Sol proporciona pelos outros - o conforto da primeira mantinha, um cappucino, uma revista lida no sofá enquanto na aparelhagem roda um CD de Astor Piazolla. Foi assim o meu sábado, depois de quase 24 horas consecutivas ao serviço do «ganha-pão». Para acabar o dia em beleza, fui à Cinemateca ver A Regra do Jogo, de Jean Renoir. É bom vê-la reaberta - e lotada - depois do habitual (e, a meu ver, incompreensível) jejum de Agosto. E o melhor é que o sol ainda nem sequer nos deixou. Ainda hoje espero passar a tarde - ou parte dela - na esplanada. Tenho muito que fazer? Tenho muito que amar.

Friday, September 09, 2005




E se ao fim de quase 17 anos de profissão ainda houvesse surpresas? ...
De partida para uma missão externa, vi-me na contigência, lá no «ganha-pão», de entregar a tarefa que tinha entre mãos a outro elo da cadeia. O que, quase sempre, se revela mais espinhoso do que todo o trabalho feito até ali. Ontem, porém, foi diferente. Detinha-me em pormenores quando o meu interlocutor me surpreendeu com esta resposta:

- Tudo bem. Vai descansada.

Eh lá! Que é isto? - pensei. Desculpem se exagero o tom, mas nestes anos todos nunca alguém me dissera tal coisa. De facto - percebi agora - nunca fora descansada. Será que ainda há esperança? Ainda há quem esteja mais interessado nas soluções do que nos problemas?

Tuesday, September 06, 2005


In memoriam James Dean (1931-1955)
Uma história americana

Salinas (Califórnia), Setembro de 1955


Num bar à beira da estrada, Garfield Spencer tem pouco que fazer, mas muito que contar. Limpa o balcão corrido de fórmica e sonha com os domingos à tarde, em que se permite fechar a loja e ir a Salinas, para uma matinée no cinema e ser servido, uma vez por semana que seja. Nos outros dias é ele que serve cervejas e hot dogs a quem passa, porque, estabelecido à beira duma estrada nacional, não tem habitués para além do pó e do calor que sufoca a Califórnia – tão eterno como as neves do Kilimanjaro. Mas a falta de familiaridade que sente quando mais fere a solidão é largamente compensada pela aura de excepcionalidade em que, por momentos fugazes, se viu envolvido. Numa tarde impiedosa dum Verão de há muito tempo, pouco depois de estrear As Vinhas da Ira (com Henry Fonda), serviu um chá gelado a John Steinbeck. Permitiu-se cumprimentar o escritor. O sorriso distraído que este lhe devolveu foi suficientemente estimulante para que Garfield Spencer, homem de poucas letras, lhe comprasse os livros.
Foi, aliás, quando lia os dois grossos volumes de A Leste do Paraíso (decerto sugestionado pela notícia de que também este romance de Steinbeck viria a ser adaptado ao cinema) que lhe entrou pela porta do bar um jovem louro, vestido e penteado à moda de Marlon Brando. Viera de moto e demonstrava uma estranha ansiedade. Como se lhe faltasse uma parte de si mesmo que jamais encontraria, mesmo que nessa demanda empenhasse todo o seu esforço. Fumava muito e, de si, disse apenas que a Warner Brothers o tinha chamado para um filme muito importante. Era actor, mas até aí só trabalhara em Nova Iorque, onde Garfield Spencer nunca estivera. Poucas semanas depois este veria na Moviegoer um retrato deste rapaz impaciente. Chamava-se James Dean e o filme que o trouxera à Califórnia era mesmo importante – tratava-se de A Leste do Paraíso, que Elia Kazan iria realizar segundo o romance do outro cliente excepcional que Garfield servira.
Uma coincidência sincronística, teria concluído se fosse dado a leituras filosóficas, mas, como não era, apenas concluiu, auto-complacente, que a Califórnia se transformara no centro do mundo, para o qual confluíam as personalidades mais fulgurantes. A partir do momento histórico em que decorreu essa descoberta, quem, na desolação da estrada, se detivesse no bar solitário de Garfield Spencer era surpreendido pelo retrato, iluminado a lâmpada fluorescente, da mais jovem «estrela» de Hollywood. Como num altar feito de gelo.
- É um dos meus melhores clientes – mentia sem maldade. Garfield Spencer, já adiantado na casa dos 30 anos, passou rapidamente do culto à imitação. Nas horas que lhe sobravam, entre os copos que servia a desconhecidos, voltava-se para o espelho e copiava o penteado do ídolo. Muito curto sobre as orelhas, com a popa levantada. Passou a acender uns cigarros nos outros e a vestir a T-Shirt branca que lhe acentuava a barriguinha que os actores de Hollywood não tinham. Ninguém imaginava Garfield Spencer a declarar, à imagem do ídolo, que o importante era viver depressa, morrer jovem e ter um belo funeral, mas a verdade é que ninguém se dava ao trabalho de imaginar Garfield Spencer. Na tarde de 30 de Setembro de 1955, não muito longe daquele bar, o actor ficou para sempre igual à imagem do altar. Entregara o gato Marcus aos cuidados de uma amiga e partira para uma corrida de automóveis em Salinas. Ao pôr-do-sol, num cruzamento, o tempo deteve-se, como no momento antes dum duelo de western. James Dean morreu imediatamente, ao volante dum Porsche cintilante. Tinha 24 anos e deixava por estrear dois dos seus três únicos filmes – Fúria de Viver e O Gigante, ainda inacabado. No plateau, Elizabeth Taylor desmaiou e a produção afligiu-se – o que fazer com as cenas que o actor não chegara a filmar?
A poucos quilómetros do cenário da tragédia, refulgia o altar montado por Garfield Spencer. Aquele rosto jamais seria sulcado por rugas, o cigarro que lhe pendia do lábio jamais se apagaria, a expressão trocista pareceu adquirir uma inocência que só dependia do grau de comiseração sentido por quem olhava. «E foi o único a morrer entre todos os que iam nos dois carros», comentava, pesaroso, Garfield aos que, durante uma refeição rápida, pousavam os olhos no altar. Um desses clientes não se deteve, no entanto, em conversas compungidas. Pediu um hambúrguer com muita cebola e espiou, sem uma palavra, os gestos do empregado – o modo como defendia a chama do isqueiro, os dedos com que segurava no cigarro, o olhar límpido, a T-Shirt negra e justa.
Apesar de ser um homem cândido, Garfield Spencer sentiu que estava a ser observado. Talvez este fosse um cliente de há muito tempo, curioso com as mudanças que o tempo lhe trouxera. Ou talvez tivesse vindo porque alguém recomendara. Depois do hambúrguer, este cliente habituado a não desviar o olhar, confirmou-lhe parte das suspeitas. Já de pé, voltou a limpar os lábios e disparou:

- Tinham razão. Você é o perfeito sósia de James Dean. Uns anos mais velho, mas nada que não se possa resolver.

Estendeu-lhe o cartão de visita com o logótipo da Warner Brothers. Dias depois, como num passe de mágica, Garfield Spencer viu-se num plateau, fisicamente não muito longe de Elizabeth Taylor ou Rock Hudson, para terminar as cenas que o ídolo não chegara a filmar. Encadeado com o poder dos holofotes, repetiu escrupulosamente quanto lhe foi ordenado pelo realizador George Stevens, sem chegar a compreender toda a extensão do que lhe acontecera. Pagaram-lhe o combinado e comprou um carro melhor, mas o seu nome nunca figurou no genérico.




La beauté cachée des laids

Quand on m'dit que j'suis moche/
J'me marre doucement pour n'pas te réveiller/
Tu es ma p'tite Marylin/
Et moi j'suis ton Miller/
Non pas Arthur plutôt Henry/
Le spécialiste du hardcore/

La beauté cachée/
Des laids des laids/
Se voit sans/
Délai délai

Même musique même reggae pour mon chien/
Que tout l'monde trouvait si vilain/
Pauv' toutou c'est moi qui boit/
Et c'est lui qu'est mort d'une cirrhose/
Peut-être était-ce par osmose/
Tellement qu'il buvait mes paroles/

La beauté cachée/
Des laids des laids/
Se voit sans
Délai délai/

Enfin faut faire avec c'qu'on a/
La sale gueule mais on n'y peut rien/
D'ailleurs nous les affreux/
J'suis sûr que Dieu nous accorde/
Un peu de sa miséricorde/
Car/

La beauté cachée/
Des laids des laids/
Se voit sans
Délai délai



PS - Porque Serge Gainsbourg não é apenas a voz masculina de Je t'aime...moi non plus.

Thursday, September 01, 2005



O eterno Rusty James

Chegar-nos-emos a curar das paixões da adolescência? Ou é a nostalgia que lhes empresta uma aura suplementar? Foi o que me perguntei após a sessão de cinema em que «reencontrei» o rapaz cujo retrato colava em todos os dossiers levados para o liceu. É este aqui ao lado, com pinta de lobo mau. Eu tinha 16 anos, acabara de ver Os Marginais, de Francis Ford Coppola e senti-me - como direi? - muito agradada. Quando, pouco depois, o mesmo realizador fez dele o eterno Rusty James, de Rumble Fish, foi a paixão total. Ficava toda a aula de Francês a sonhar com o dia em que ele haveria de me resgatar às agruras do Passé Composé.
Os anos passaram e o retrato amareleceu na capa do dossier. Talvez por isso tenha sido tão emocionante ver Colisão e «reencontrar» Matt Dillon, 20 anos mais velho, num papel que poderia ser a evolução natural dos seus rebeldes proletários, a fingir que não estavam derrotados à partida. Duros e, no entanto, vulneráveis como se os acompanhasse interiormente uma balada de Bruce Springsteen. Fosse ele menos bonito e poderia ser um homem da minha família.

Wednesday, August 31, 2005



De como fotografei a eternidade com uma máquina descartável.

Roma, 24 de Junho de 2005

Tuesday, August 30, 2005

Coliseu de Roma, 24 de Junho de 2005
Para que não fiquemos a matutar em coisas tristes, deixo-vos um «recuerdo» das minhas já distantes férias. As saudades que já tenho da luz de Roma.

Monday, August 29, 2005




Como resumir Camões sem maçar os neurónios


Num dos seus poemas mais conhecidos, Natália Correia exclamava: «Ó subalimentados do sonho!/A poesia é para comer.» Era o tempo dos ideais intactos em que os poetas acreditavam que a democracia, a instaurar em breve, resolveria os seculares défices educacionais do povo português, que o salazarismo inequivocamente agudizou. Trinta anos depois, chegaremos nós à triste conclusão de que os ditos subalimentados nunca quiseram outro sonho senão andar em círculos no Almada Fórum e substituir o telemóvel de três em três meses?
A que propósito vem tal angústia? - perguntará o gentil público. A propósito duma banal conversa de Domingo com um adolescente e sua (ainda jovem) avó. A preparar mais um ano lectivo, o rapaz mostrou-se apreensivo com as leituras que poderão ser exigidas na disciplina de Português - Os Lusíadas, por exemplo. Ao que a avó, dona-de-casa convertida à religião dos «SMS» a ponto de os usar no cinema, exclamou, expedita:

- Mas há resumos.

Confesso que vi tudo turvo. Resumos? Como diabo se há-de resumir poesia? Dizendo que o poeta Camões, necessitado duma reformazita, escreveu e dedicou ao Rei um livro muita grande sobre as glórias da História de Portugal? Contando como o Vasco da Gama chegara à Índia, não sem antes enfrentar um mano bué da chato chamado Adamastor e - alegria das alegrias - dar umas cambalhotas com umas ninfas, na Ilha dos Amores?
O que me irritou foi esta resposta pronta, não do aluno, mas da avó, a quem apenas interessa que ele passe com uma nota aceitável, sem, na verdade, lhe interessar se ele aprende alguma coisa ou adquire hábitos de leitura. É o país que conseguimos construir em trinta anos de Democracia. Os pais rejubilam porque reduzem as suas inquietações à nota final para espetar na cara do vizinho do lado, juntamente com a nova arca frigorífica e o automóvel. Os professores (ou boa parte deles)contornam a enorme maçada de converter à Literatura uma horda de adolescentes em perpétuo desassossego. O Ministério da Educação mostra à União Europeia como consegue dar a escolaridade obrigatória aos filhos dos PALOP's e dos brancos pobres. É bom. Ficamos todos contentes e não pensamos mais nisso.

Wednesday, August 24, 2005


O cavalo


Teus poros exalam o fumo
Do lar dos deuses de onde vieste.
Rompante de espuma e de lume
És sol quadrúpede ou mar equestre?

Desfilando derramas o ouro
Do teu rio inacabável,
Desmedido relâmpago louro
De um deus equídeo possante e frágil.

Tudo existiu para que fosses
No contraluz desta madrugada
Mitológica proporção perfeita
Em purpúrea bruma recortada.

Pois que te é divino mister
Humanos olhos extasiar
A dúvida é só perceber
Se vieste do sol ou do mar.

Natália Correia

Monday, August 22, 2005



O Amor como vem nos livros

Afirmava Irene Lisboa que o apetite do amor é incansável. Que o digam os leitores do The Times Literary Supplement, a quem o gosto dos livros alimentou o sonho daquele encontro. Passo a reproduzir, com a devida vénia, estes dois classificados publicados na edição de 19 de Agosto:

«Peter Pan seeks Wendy. Only problem being I grew up too fast.Lost boy, mid sixties, looking to relive the joys of youth with F(50s).London area.»

«Disillusioned Marxist seeks successful capitalist for indulgences in material goods. Make my poverty history. Educated female (53) seeks landed gentry or equivalent»

Thursday, August 18, 2005







A música que me dão

Andam a dar-me música. E da boa. Graças à solicitude de mão amiga, tomei conhecimento recente de parte do que de mais de novo se faz na música brasileira ou na europeia, inspirada por sonoridades vindas do Brasil. Em cima da secretária tenho dois CDs que não me canso de ouvir: o álbum da brasileira Cibelle (justamente intitulado Cibelle) e o duplo da belga Isabelle Antena, Easy Does It, que reinventa, de forma muito estimulante, a tradição da Bossa Nova.
Para já, são a banda sonora com que me disponho a enfrentar os dias de borrasca que Setembro trará ao «ganha-pão». Conhecem-se-lhe, no entanto, efeitos secundários. Podem causar um grande desejo de férias em paragens tropicais.

Friday, August 12, 2005



A não perder

Voz amiga insistia devagar, mas firmemente, para que não perdesse Colisão, de Paul Haggis. Mas inebriada pelo aroma a maresia que habitualmente me toma, fui adiando a coisa. Na passada 6ªfeira sentei-me numa daquelas poltronas ultra-confortáveis das salas de cinema do El Corte Inglés, em Lisboa, e dispus-me, finalmente, a responder a apelo tão cordial. Em muito boa hora. Primeiro filme realizado pelo argumentista de Million Dollar Baby, Colisão é, porventura, o grande filme de 2005 e, sem dúvida, uma das melhores e mais inteligentes obras da década. Dizer que trata das contradições duma sociedade que quer mostrar-se politicamente correcta ao mesmo tempo que é profundamente racista, não chega. Do que Colisão trata é do medo do outro que já nos tomou a todos e que nos transforma em potenciais armas de destruição massiva, mesmo que, no fundo de nós, alimentemos a nostalgia do contacto e da espontaneidade.
Passa-se em Los Angeles. Poderia ser Lisboa.

Thursday, August 11, 2005




Os filmes da minha vida, II


Rebecca (1940) é o primeiro filme da fase norte-americana de Alfred Hitchcock, mas ainda deve tudo à tradição de literatura gótica inglesa. Baseado num romance de Daphne du Maurier, passa-se na Cornualha, na velha mansão de Manderley. Jovem viúvo, Mr. De Winter (Laurence Olivier) apaixona-se e volta a casar. A nova Mrs De Winter (Joan Fontaine) não terá, no entanto, uma vida fácil já que sobre ela há-de pairar a enorme sombra projectada por Rebecca, a primeira Mrs De Winter. Filmado a preto e branco (como tanto convinha a estas histórias de assombrações), é uma obra para quem (como eu) gosta de mistérios alimentados pela vizinhança dum mar revolto. Hitchcock ainda era jovem mas desenvolvera já todas as características de Mestre do Suspense.

Tuesday, August 09, 2005

Upstairs, Downstairs - o regresso

Cada um tem a telenovela que merece. A minha, aos 8 anos, era a série inglesa Upstairs, Downstairs, que, em Portugal, passava com o título de A Família Bellamy (sempre era melhor que o Arriba y Abajo com que era designada por nuestros hermanos). Não sei se é da impecável dicção do mordomo Hudson, se da vida regalada levada por Milady, mas a verdade é que, trinta anos depois (ai!), a RTP Memória foi desencantar a série e esta vossa amiga não perde um episódio (de segunda à sexta, às 21 e 30). Para os fãs - sim, porque há mais, conforme se pode verificar na Internet - lembro que hoje, quarta-feira, passa aquele que é considerado o episódio mais emocionante da saga. Milady decide-se a viajar para Nova Iorque e embarca - noblesse oblige - no paquete mais luxuoso da época, o Titanic... À parte esta aventura pouco invejável, continuo à espera de arranjar um mordomo tão solícito como Mr.Hudson. Pena que não tenha espaço para criadagem.

Monday, August 08, 2005




Cena em que ET se despede do seu grande amigo, Elliott

(porque a distância é coisa relativa, mas, ainda assim, dolorosa... deve ter sido por causa disso que, um dia destes, revi esta cena lavada em lágrimas)

Os amigos


Esses estranhos que nós amamos/
e nos amam /
olhamos para eles e são sempre/
adolescentes, assustados e sós/
sem nenhum sentido prático/
sem grande noção da ameaça ou da renúncia/
que sobre a luz incide/
descuidados e intensos no seu exagero /
de temporalidade pura/
Um dia acordamos tristes da sua tristeza/
pois o fortuito significado dos campos/
explica por outras palavras/
aquilo que tornava os olhos incomparáveis/
Mas a impressão maior é a da alegria/
de uma maneira que nem se consegue/
e por isso ténue, misteriosa: /
talvez seja assim todo o amor

José Tolentino de Mendonça
De Igual Para Igual



A América segundo Norman Mailer

Cascais, Domingo de Agosto. Lisboa parece que foi atacada por uma bomba nuclear («is there anybody outhere?», penso à janela de casa no sábado à tarde) e rumo a Cascais. Depois da praia, paragem obrigatória na Livraria Galileu, à procura de pechichas apetitosas. E deparo com um livro do norte-americano Norman Mailer, Os Duros não Dançam, ao preço de 3 euros. Não poderia ter resultado melhor a surtida. Comecei a lê-lo logo ali e ainda não parei.
Deixo-vos um excerto para abrir o apetite:

«Ela lera uns cinco livros em toda a sua vida, porém um fora O Grande Gatsby. E sabem como se julgava a si própria? Tal como um caseiro e sincero Gatsby. Quando as festas se prolongavam o suficiente, e no caso de haver lua cheia e clara, puxava do seu velho cornetim de animadora da equipa desportiva do colégio e fazia ecoar em plena noite o toque de militar dedicado à Lua, e era preferível não lhe dizer que a hora disso já passara. Evidentemente que a Polícia não nos via com bons olhos. Os agentes eram uns miseráveis filhos da mãe desnaturada, e em parte alguma como em minha casa se gastava tanto dinheiro numa festa para conseguir tão pouco. Comparecia pouca gente importante. O esbanjamento irritava as autoridades».

Thursday, August 04, 2005




Fragonard, The Love Letter

Madame Sade

O homem deu nome ao sadismo, mas, nem por isso, deixou de ter uma vida conjugal de acordo com as conveniências da aristocracia francesa do século XVIII. Falo de Donatien Alphonse, Marquês de Sade, conhecido pelas suas muitas tropelias, algumas das quais passou a escrito em livros como Justine ou os Infortúnios da Virtude. Leio, neste momento, a biografia, não do famoso marquês, mas da sua obscura esposa, intitulada Renée Pélagie, Marquesa de Sade (edição Teorema). Assinada por Gérard Badou, o livro traça o retrato desta jovem duma aristocracia recente que, apesar da sua beatífica educação, se vicia nos jogos de amor do seu caprichoso esposo. Lê-se como um romance e, no entanto, é um retrato bem documentado da sociedade e da cultura francesa nos anos que precederam a Revolução. Excelente!

Tuesday, August 02, 2005


Mas o favorito qual é...qual é?
Aquele que já vi 700 000 vezes?

The Oscar goes to... ...Casablanca, Michael Curtiz (1943).

Carreguem em baixo - vale a pena. Não se esqueçam é de tirar o som aos Pink martini, senão enlouquecem.


http://groovetown.co.uk/downloads/as_time_goes_by.mp3

Monday, August 01, 2005


Filmes da minha vida, I
The Postman Always Rings Twice, de Tay Garnett (1946).
Lana Turner nunca foi tão fatal; John Garfield nunca esteve tão próximo da queda. Esta história de paixão, adultério e assassínio, passada numa estação de serviço à beira duma remota estrada americana, já foi contada várias vezes, mas nunca tão bem como neste filme a preto e branco, em que a frustração e o desejo são tão fortes que adquirem textura. Um clássico do film noir à americana, já disponível em DVD.

Pygmaleon and Galatea,
Fábrica de Sèvres (1764-1773), depositada no British Museum, Londres

Pigmaleão

Pigmaleão Torres precisa desesperadamente dos outros – como caixas de ressonância, entenda-se. Tem o empenho de encontrar um lugar amável onde instalar o interlocutor. Este, lisonjeado, disponibiliza-se para ser seduzido. Ouve. Ouve e anui. Ouve e procura introduzir um comentário oportuno. Percebe que este se dilui no mar de palavras do outro e continua a ouvir enquanto fuma um cigarro. A cena repetir-se-á nas semanas seguintes, com uma regularidade que leva o interlocutor a interrogar-se se Pigmaleão não estará apaixonado por ele. E nós, frenéticos de coscuvilhice, com ele. Está-lo-á? Tudo indica que sim – os telefonemas prolongados; as pequenas lembranças; o olhar em alvo nos olhos do interlocutor quando se encontram noite dentro, num daqueles bares cujo ambiente proporciona intimidade à mais inócua das conversas. Ou dos monólogos porque o que, na verdade, se passava nesses encontros era um infindável debitar das impressões de Pigmaleão sobre a vida, a sociedade, a política, o cinema, a literatura… Whatever, o interlocutor sentia-se o mais beneficiado dos seres. Quando chegava à inevitável temática do amor e sexo, este acreditava ver confirmadas as suas suspeitas. E participava ainda com mais entusiasmo neste jogo de ilusões.
O que o interlocutor ainda não podia saber é que Pigmaleão Torres estava, de facto, apaixonado, mas apenas porque isso era o que lhe acontecia sempre que encontrava (ou julgava encontrar) uma caixa de ressonância. Ignorante dessa idiossincrasia, o outro ambicionou um destino maior e quis transformar o monólogo numa partilha. Pensou que, nessas noites de sussurros, podia expressar as suas próprias impressões sobre a vida, a sociedade, a política, o cinema, a literatura. Até sobre amor e sexo, se para tal lhe chegasse a coragem. Mas foi engano de alma ledo e cego.
No dia em que Pigmaleão descobriu, com horror, que o espelho mágico não cumpria a função, produziu-se um choque tão profundo quanto irreversível. Com o mesmo empenho que antes aplicara na sedução, decidia-se agora a estilhaçar o objecto que traíra as suas expectativas. Haveria de destruí-lo de forma tão cirúrgica que seria impossível reconstitui-lo sob que forma fosse.
Começou por enunciar, em tom paternalista, todos os defeitos graves do outro – era possessivo; azedo; desprovido de graça e dependente. O visado acreditou e pediu-lhe conselhos. Redimir-se-ia se tal lhes devolvesse o antigo enleamento. Por momentos, a insuperável vaidade de Pigmaleão quase cedeu à volúpia de só ele poder apontar o caminho da salvação, mas não tardou a recuar nesse propósito. Uma vez rebelde, sempre rebelde – o outro nunca seria uma caixa de ressonância minimamente aceitável. Queria partilhar… Mas o quê? Havia alguma coisa que se partilhasse?
E prosseguiu o seu esforço de destruição até ao ponto em que se tornou inevitável o confronto entre ambos – violento e vulgar. Quando finalmente conseguiram passar um pelo outro como se não se tivessem conhecido, puderam seguir em frente. O inábil aprendiz de Galateia soube, pelo menos, a que sabe uma desilusão e Pigmaleão Torres continua afincadamente em busca da caixa de ressonância perfeita – aquela que não o traia ou desiluda. A que beba as suas palavras como água duma fonte miraculada; a que não o interrompa com palpites e que o siga com a fidelidade duma sombra. A que lhe devolva tal e qual a imagem de si mesmo que tantos anos de trabalho custara a Pigmaleão.