Monday, November 07, 2005

O que foi não torna a ser

(em jeito de resposta à Pé)

Há uma espécie de sabedoria interna nas relações. Talvez não pareça, sobretudo quando sentes - como eu já senti tantas vezes - que dás mais, muito mais, do que recebes. Experimenta não lutar tanto, deixa-te ir na corrente como quando estás concentrada na tua natação: inspira, expira, pensa só na massagem da água nos teus membros. Já fui amiga de todo o género de pessoas, algumas trairam-me; outras, pura e simplesmente, desapareceram de circulação; outras ainda ficaram porque tudo nos une, mesmo as diferenças de comportamento ou de destino. Das que desapareceram de circulação, algumas durante longos anos, houve quem voltasse. Sabemos que o que foi não torna a ser, como cantam os Xutos, mas não temos medo porque, afinal, pode ser muito melhor. Regressaram porque, apesar de tantas voltas que a vida dá sobretudo com a mobilidade que hoje é possível, nunca tinham partido completamente. Ontem reencontrei uma amiga de infância. Não nos víamos há uma eternidade - talvez 15, 18 anos - e retomámos a conversa com a facilidade de quem se vira na véspera. A outros perdi-os de vista há um mês e já não sei como retomar o contacto. Não sei exactamente porquê. Alguns não serão piores pessoas do que os que me acompanham vida fora, mas, para citar o lugar-comum, o coração tem razões que a razão desconhece. Creio que há que decifrá-las devagarinho, sem amargura nem fugas para a frente.

5 comments:

said...

Tive o prazer de vir aqui e ver que tenho uma resposta a um post meu. Que bom. Em primeiro lugar é bom haver esta troca de ideias saudável que nos conforta e nos faz "seguir para a frente". E em segundo lugar, e mais importante, é bom saber que de certa forma o que dizemos pode ser significativo para os outros, principalmente para quem gostamos.
E agora respondendo ao que escreveste: li há uns anos que determinadas pessoas aparecem em determinada altura com um intuito, meio espiritual, de nos marcar.. de trazer qualquer coisa com a qual aprendemos, e eu penso sempre nisso, principalmente quando as pessoas "se vão embora" e levam aquilo que me ajudava a aprender.
Nunca percebi porque há pessoas que marcam mais que outras, e porque me importo de ter umas e de não ter outras. Mas vou seguramente continuar a minha demanda :)

Beijinhos

said...

E mais uma coisa...
Pensa lá não nos vamos dando uns aos outros "palavras que nos iluminam a escrita"?
:)
Eu cá acho que sim.

maria joão martins said...

A aparente falta de lógica dos afectos é que os torna fascinantes. Mas a vida tem-me ensinado, através de casos concretos, que o que deve ser «nosso», connosco há-de vir ter. A luta deve concentrar-se na atenção a essa chegada, que raramente se faz anunciar com grande estrondo.

armandina maia said...

João, há palavras quase tão imperdíveis como as pessoas. é o caso deste post: uma fulguração que devolve ao seu lugar o lugar de cada um.
As pessoas foram sempre a trave mestra da arquitectura do universo que toco.
Guardo-as, deito-as fora (ou tento, nem sempre é fácil), mas é com elas que vivo, durmo e penso,preciosas ou descartáveis, mas sempre fonte da minha vida.
parabéns pelas palavras e pela pessoa que as diz tão soberanamente.
armandina

maria joão martins said...

Fiquei sem jeito, minha amiga tão doce. Felizmente, na minha vida, há afectos para todos os gostos. Muito diferentes entre si, mas cada um com o seu lugar.