Friday, October 21, 2005


O porquê de uma eleição

A gargalhada estridente de Angelica (Claudia Cardinale) a perturbar a paz beata dum jantar em casa dos Salina; os sapatos apertados do arrivista Don Calogero Sedara; a longa sequência do baile que, na verdade, é uma cerimónia de passagem de testemunho duma classe social a outra - são apenas algumas das possíveis razões que levaram os leitores (acidentais ou não) deste blog a eleger O Leopardo como o melhor filme do italiano Luchino Visconti. Em parte, a escolha coincide com a minha. É, de facto, aquele de mais gosto - aliás, aquele que mais amo porque, em matéria de Visconti, recuso-me a usar palavra tão poucachinha como «gostar». Mas a verdade é que também não me chocaria escolher Violência e Paixão, Os Malditos ou O Intruso. Não gosto tanto de Morte em Veneza, que aqui aparece em segundo lugar, embora admita que, por causa deste mesmo filme, não deixo de ouvir Mahler (o compositor que prefiro) sem o associar à agonia de desejo de Dirk Bogarde. Ao contrário de Fellini, que recebeu quatro Oscars da Academia de Hollywood, Luchino Visconti nunca foi um realizador consagrado pelos poderes, talvez porque não escondia que, para além de infinitamente requintado e de descender dos Condes de Milão, era comunista e homossexual. Não fazia filmes perfeitos (há quem diga que O Leopardo é desequilibrado) mas realizava cinema com o mesmo grau de exigência que punha na direcção de óperas protagonizadas pela Callas. Era único como todos os que aspiram ao absoluto.

2 comments:

Anonymous said...

O Leopardo (também votei nele) é um autêntico monumento à arte de filmar. Não é por acaso que João Bénard da Costa o elegeu como o filme da sua vida. Xicoração.

maria joão martins said...

Mais do que considerar Leopardo o filme da minha vida (mea culpa, não consigo decidir-me só por um), Visconti é o realizador da minha vida. Se eu fosse um génio seria como ele, como não sou limito-me a admirá-lo infinitamente - e eu não sou de admirações fáceis. Xicoração tb para ti.