Friday, February 17, 2006



O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee

Intimista e delicada, esta é tanto uma obra sobre o tabu da homossexualidade na América profunda dos anos 60 como sobre a tragédia de qualquer ser humano, esmagado por uma sociedade que o espartilha violentamente. Herdeiro de uma cultura que venera as forças da Natureza (em particular a montanha e a neve, como o testemunha a tradição artística chinesa), Ang Lee contrapõe a esse espartilho a Natureza, majestosa na sua semi-eternidade, que proporciona a estes homens a ilusão de uma vida sem culpa.
Ao longo dos anos, ambos – Jack Twist e Ennis del Mar – pagarão todas as facturas que o seu pequeno mundo lhes vai apresentando: concordarão em casar com as mulheres que os escolhem, terão crianças com elas, representarão, compenetrados, o papel de macho dominante, mas voltarão todos os anos à montanha em que se conheceram, no Verão de 63, querendo prestar tributo ao seu amor perdido. Para ambos, este lugar adquiriu uma dimensão mágica, onde, por momentos, o impossível se torna realidade. O impossível – dizemos – porque, pelo menos a um deles, este amor nunca deixará de parecer fenómeno bestial que importa silenciar, tal como o sofrimento da mulher com quem casou ou os pedidos de atenção da namorada e das próprias filhas. Criados na mais austera (porque não mesmo, na mais violenta) educação da masculinidade, estes dois homens ver-se-ão confrontados com provas consecutivas à sua identidade. Inteligentíssimo, Ang Lee não cede a estereótipos fáceis. Tal como fizera em Tempestade de Gelo (o filme de 1997 em que habilmente escalpeliza o mito da família média norte-americana), desfia, com mão segura, as pequenas cobardias, mais sugeridas do que ditas, que compõem esta tragédia. Num tempo lento, porventura difícil de vender numa época em que o cinema vive de montagens cada vez mais velozes, Ang Lee faz estilhaçar vários mitos – o de uma identidade masculina à prova de dúvidas, mas também todas as pequenas fortalezas que construímos, vida fora, com o único propósito de nos escondermos.

4 comments:

Thiago said...

Gostei muito do teu texto. Excelente análise!

Beijos

maria joão martins said...

:) Many thanks, darling.

Patrícia Rocha said...

Por falar em análise, ler-te é (sempre) uma terapia! *piscar de olho*

Bejos.

maria joão martins said...

Ai! Que coro!
Bejocas