Thursday, March 23, 2006

Álvaro Cunhal e eu

Era uma menina. Tinha a tal ideia romântica do jornalismo que, em 4 ou 5 anos de profissão, só me tinha dado coisas boas. Propus-me entrevistar Álvaro Cunhal e, apesar da petulância que isto hoje me parece, fui aceite. Seguiram-se muitos telefonemas para a sede do PC, vários faxes (estávamos em 1995, não se usavam mails) e, finalmente, uma conversa prévia.
Lá fui, sem medos, sempre receei mais os dias que se arrastam mansa mas torpemente iguais do que os grandes e súbitos desafios. Álvaro Cunhal queria, porventura, avaliar a desconhecida. Eu disse-lhe ao que ia - falar de literatura - e acrescentei, talvez mais fragilmente do que o necessário, que o meu pai, velho representante da classe operária, toda a vida se sentira representado pelo Partido Comunista e pela liderança de Cunhal. Combinámos as regras, que ambos cumprimos escrupulosamente e uma semana depois fez-se a desejada entrevista. Foi publicada no JL a 15 de Fevereiro de 1995 e, se outros méritos não tiver, fica para a petit histoire destas coisas como aquela em que o político assumiu ser também o escritor Manuel Tiago.
Vêm estas recordações a propósito do livro do jornalista Miguel Carvalho, Álvaro Cunhal - Íntimo e Pessoal (edição Campo das Letras). Pensado como um dicionário afectivo, este livro reune citações de entrevistas que, ao longo das décadas, o político foi concedendo aos órgãos de comunicação social portugueses. Amavelmente, o Miguel introduziu algumas citações desse meu momentozinho à Edward G. Murrow. Como esta em que explica a origem do seu pseudónimo, tão famoso como ele: «Tenho uma irmã, 14 anos mais nova do que eu. Antes dela nascer, os meus pais fizeram uma lista com nomes. Uma lista para nomes de meninos e outra para meninas. Quando pensei na publicação, fiz uma lista de nomes, neste caso só de meninos, e acabei por me pronunciar por este». Fez-se muitas saudades - de Cunhal, da minha juventude e de um tempo em que o jornalismo me parecia bigger than life.

4 comments:

said...

...Pode ser que agora o jornalismo não seja bigger than life, mas tens de certeza uma estória que fica na história para contar!

Beijo

Thiago said...

Só tu para nesta altura me fazeres acredita e sonhar.

um beijo especial

maria joão martins said...

Os meus queridos levam-me a pensar que talvez valha a pena começar a contar estas estórias. Como aquela em que certo ministro brasileiro foi demitido pelo Lula à minha frente. Mas não digo mais. Para vos aguçar o apetite... Beijos a ambos.

said...

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH essa quero saber!!! eheheheh