Friday, July 15, 2005

Um livro de Hélia, para nosso encantamento

Por uma daquelas agradáveis surpresas que a vida (por vezes) nos reserva, conheci a escritora Hélia Correia durante uma reportagem que, no final de 2001, fiz na região de Castela La Mancha. A Oficina de Turismo Espanhol em Lisboa convidou um pequeno grupo de jornalistas e escritores portugueses para um passeio nestas terras assombradas pelos soberbos fantasmas de Cervantes e El Greco. Entre eles, estava Hélia. Doce, muito culta, muito fascinada por mistérios. Encontrei na pessoa aquilo de que já gostava na obra. Lera com muito agrado textos como Montedemo; A Fenda Erótica ou Insânia. Mais tarde, viria a apaixonar-me completamente por Lillias Fraser, que considero ser (até à data) a obra-prima da autora.
Importa, todavia, que a sombra prodigiosa deste romance não pese excessivamente sobre outros textos mais curtos de Hélia que merecem a nossa melhor atenção. Refiro-me, por exemplo, à continuação imaginada para a novela de Alexandre Herculano, A Dama Pé-de-Cabra, publicada no princípio deste ano pela Relógio d'Água. Mas refiro-me, antes de mais, à pequena novela acabada de sair na mesma editora, Bastardia. Li-a, de um fôlego num comboio hotel que me levava a Madrid. Está lá, intacto, o universo misterioso da escritora à mistura com a sua incomparável percepção dos abismos da alma. Começa assim: «Há uma irreparável decepção quando um homem encontra uma sereia. Isso acontece muito raramente. Podemos, no entanto, suspeitar se um vizinho no prédio volta a casa no fim do Verão, com a família e os cães, e há nos olhos de todos qualquer coisa de alguém cuja visão se desfocou». Abri-vos o apetite?

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