Wednesday, August 31, 2005



De como fotografei a eternidade com uma máquina descartável.

Roma, 24 de Junho de 2005

Tuesday, August 30, 2005

Coliseu de Roma, 24 de Junho de 2005
Para que não fiquemos a matutar em coisas tristes, deixo-vos um «recuerdo» das minhas já distantes férias. As saudades que já tenho da luz de Roma.

Monday, August 29, 2005




Como resumir Camões sem maçar os neurónios


Num dos seus poemas mais conhecidos, Natália Correia exclamava: «Ó subalimentados do sonho!/A poesia é para comer.» Era o tempo dos ideais intactos em que os poetas acreditavam que a democracia, a instaurar em breve, resolveria os seculares défices educacionais do povo português, que o salazarismo inequivocamente agudizou. Trinta anos depois, chegaremos nós à triste conclusão de que os ditos subalimentados nunca quiseram outro sonho senão andar em círculos no Almada Fórum e substituir o telemóvel de três em três meses?
A que propósito vem tal angústia? - perguntará o gentil público. A propósito duma banal conversa de Domingo com um adolescente e sua (ainda jovem) avó. A preparar mais um ano lectivo, o rapaz mostrou-se apreensivo com as leituras que poderão ser exigidas na disciplina de Português - Os Lusíadas, por exemplo. Ao que a avó, dona-de-casa convertida à religião dos «SMS» a ponto de os usar no cinema, exclamou, expedita:

- Mas há resumos.

Confesso que vi tudo turvo. Resumos? Como diabo se há-de resumir poesia? Dizendo que o poeta Camões, necessitado duma reformazita, escreveu e dedicou ao Rei um livro muita grande sobre as glórias da História de Portugal? Contando como o Vasco da Gama chegara à Índia, não sem antes enfrentar um mano bué da chato chamado Adamastor e - alegria das alegrias - dar umas cambalhotas com umas ninfas, na Ilha dos Amores?
O que me irritou foi esta resposta pronta, não do aluno, mas da avó, a quem apenas interessa que ele passe com uma nota aceitável, sem, na verdade, lhe interessar se ele aprende alguma coisa ou adquire hábitos de leitura. É o país que conseguimos construir em trinta anos de Democracia. Os pais rejubilam porque reduzem as suas inquietações à nota final para espetar na cara do vizinho do lado, juntamente com a nova arca frigorífica e o automóvel. Os professores (ou boa parte deles)contornam a enorme maçada de converter à Literatura uma horda de adolescentes em perpétuo desassossego. O Ministério da Educação mostra à União Europeia como consegue dar a escolaridade obrigatória aos filhos dos PALOP's e dos brancos pobres. É bom. Ficamos todos contentes e não pensamos mais nisso.

Wednesday, August 24, 2005


O cavalo


Teus poros exalam o fumo
Do lar dos deuses de onde vieste.
Rompante de espuma e de lume
És sol quadrúpede ou mar equestre?

Desfilando derramas o ouro
Do teu rio inacabável,
Desmedido relâmpago louro
De um deus equídeo possante e frágil.

Tudo existiu para que fosses
No contraluz desta madrugada
Mitológica proporção perfeita
Em purpúrea bruma recortada.

Pois que te é divino mister
Humanos olhos extasiar
A dúvida é só perceber
Se vieste do sol ou do mar.

Natália Correia

Monday, August 22, 2005



O Amor como vem nos livros

Afirmava Irene Lisboa que o apetite do amor é incansável. Que o digam os leitores do The Times Literary Supplement, a quem o gosto dos livros alimentou o sonho daquele encontro. Passo a reproduzir, com a devida vénia, estes dois classificados publicados na edição de 19 de Agosto:

«Peter Pan seeks Wendy. Only problem being I grew up too fast.Lost boy, mid sixties, looking to relive the joys of youth with F(50s).London area.»

«Disillusioned Marxist seeks successful capitalist for indulgences in material goods. Make my poverty history. Educated female (53) seeks landed gentry or equivalent»

Thursday, August 18, 2005







A música que me dão

Andam a dar-me música. E da boa. Graças à solicitude de mão amiga, tomei conhecimento recente de parte do que de mais de novo se faz na música brasileira ou na europeia, inspirada por sonoridades vindas do Brasil. Em cima da secretária tenho dois CDs que não me canso de ouvir: o álbum da brasileira Cibelle (justamente intitulado Cibelle) e o duplo da belga Isabelle Antena, Easy Does It, que reinventa, de forma muito estimulante, a tradição da Bossa Nova.
Para já, são a banda sonora com que me disponho a enfrentar os dias de borrasca que Setembro trará ao «ganha-pão». Conhecem-se-lhe, no entanto, efeitos secundários. Podem causar um grande desejo de férias em paragens tropicais.

Friday, August 12, 2005



A não perder

Voz amiga insistia devagar, mas firmemente, para que não perdesse Colisão, de Paul Haggis. Mas inebriada pelo aroma a maresia que habitualmente me toma, fui adiando a coisa. Na passada 6ªfeira sentei-me numa daquelas poltronas ultra-confortáveis das salas de cinema do El Corte Inglés, em Lisboa, e dispus-me, finalmente, a responder a apelo tão cordial. Em muito boa hora. Primeiro filme realizado pelo argumentista de Million Dollar Baby, Colisão é, porventura, o grande filme de 2005 e, sem dúvida, uma das melhores e mais inteligentes obras da década. Dizer que trata das contradições duma sociedade que quer mostrar-se politicamente correcta ao mesmo tempo que é profundamente racista, não chega. Do que Colisão trata é do medo do outro que já nos tomou a todos e que nos transforma em potenciais armas de destruição massiva, mesmo que, no fundo de nós, alimentemos a nostalgia do contacto e da espontaneidade.
Passa-se em Los Angeles. Poderia ser Lisboa.

Thursday, August 11, 2005




Os filmes da minha vida, II


Rebecca (1940) é o primeiro filme da fase norte-americana de Alfred Hitchcock, mas ainda deve tudo à tradição de literatura gótica inglesa. Baseado num romance de Daphne du Maurier, passa-se na Cornualha, na velha mansão de Manderley. Jovem viúvo, Mr. De Winter (Laurence Olivier) apaixona-se e volta a casar. A nova Mrs De Winter (Joan Fontaine) não terá, no entanto, uma vida fácil já que sobre ela há-de pairar a enorme sombra projectada por Rebecca, a primeira Mrs De Winter. Filmado a preto e branco (como tanto convinha a estas histórias de assombrações), é uma obra para quem (como eu) gosta de mistérios alimentados pela vizinhança dum mar revolto. Hitchcock ainda era jovem mas desenvolvera já todas as características de Mestre do Suspense.

Tuesday, August 09, 2005

Upstairs, Downstairs - o regresso

Cada um tem a telenovela que merece. A minha, aos 8 anos, era a série inglesa Upstairs, Downstairs, que, em Portugal, passava com o título de A Família Bellamy (sempre era melhor que o Arriba y Abajo com que era designada por nuestros hermanos). Não sei se é da impecável dicção do mordomo Hudson, se da vida regalada levada por Milady, mas a verdade é que, trinta anos depois (ai!), a RTP Memória foi desencantar a série e esta vossa amiga não perde um episódio (de segunda à sexta, às 21 e 30). Para os fãs - sim, porque há mais, conforme se pode verificar na Internet - lembro que hoje, quarta-feira, passa aquele que é considerado o episódio mais emocionante da saga. Milady decide-se a viajar para Nova Iorque e embarca - noblesse oblige - no paquete mais luxuoso da época, o Titanic... À parte esta aventura pouco invejável, continuo à espera de arranjar um mordomo tão solícito como Mr.Hudson. Pena que não tenha espaço para criadagem.

Monday, August 08, 2005




Cena em que ET se despede do seu grande amigo, Elliott

(porque a distância é coisa relativa, mas, ainda assim, dolorosa... deve ter sido por causa disso que, um dia destes, revi esta cena lavada em lágrimas)

Os amigos


Esses estranhos que nós amamos/
e nos amam /
olhamos para eles e são sempre/
adolescentes, assustados e sós/
sem nenhum sentido prático/
sem grande noção da ameaça ou da renúncia/
que sobre a luz incide/
descuidados e intensos no seu exagero /
de temporalidade pura/
Um dia acordamos tristes da sua tristeza/
pois o fortuito significado dos campos/
explica por outras palavras/
aquilo que tornava os olhos incomparáveis/
Mas a impressão maior é a da alegria/
de uma maneira que nem se consegue/
e por isso ténue, misteriosa: /
talvez seja assim todo o amor

José Tolentino de Mendonça
De Igual Para Igual



A América segundo Norman Mailer

Cascais, Domingo de Agosto. Lisboa parece que foi atacada por uma bomba nuclear («is there anybody outhere?», penso à janela de casa no sábado à tarde) e rumo a Cascais. Depois da praia, paragem obrigatória na Livraria Galileu, à procura de pechichas apetitosas. E deparo com um livro do norte-americano Norman Mailer, Os Duros não Dançam, ao preço de 3 euros. Não poderia ter resultado melhor a surtida. Comecei a lê-lo logo ali e ainda não parei.
Deixo-vos um excerto para abrir o apetite:

«Ela lera uns cinco livros em toda a sua vida, porém um fora O Grande Gatsby. E sabem como se julgava a si própria? Tal como um caseiro e sincero Gatsby. Quando as festas se prolongavam o suficiente, e no caso de haver lua cheia e clara, puxava do seu velho cornetim de animadora da equipa desportiva do colégio e fazia ecoar em plena noite o toque de militar dedicado à Lua, e era preferível não lhe dizer que a hora disso já passara. Evidentemente que a Polícia não nos via com bons olhos. Os agentes eram uns miseráveis filhos da mãe desnaturada, e em parte alguma como em minha casa se gastava tanto dinheiro numa festa para conseguir tão pouco. Comparecia pouca gente importante. O esbanjamento irritava as autoridades».

Thursday, August 04, 2005




Fragonard, The Love Letter

Madame Sade

O homem deu nome ao sadismo, mas, nem por isso, deixou de ter uma vida conjugal de acordo com as conveniências da aristocracia francesa do século XVIII. Falo de Donatien Alphonse, Marquês de Sade, conhecido pelas suas muitas tropelias, algumas das quais passou a escrito em livros como Justine ou os Infortúnios da Virtude. Leio, neste momento, a biografia, não do famoso marquês, mas da sua obscura esposa, intitulada Renée Pélagie, Marquesa de Sade (edição Teorema). Assinada por Gérard Badou, o livro traça o retrato desta jovem duma aristocracia recente que, apesar da sua beatífica educação, se vicia nos jogos de amor do seu caprichoso esposo. Lê-se como um romance e, no entanto, é um retrato bem documentado da sociedade e da cultura francesa nos anos que precederam a Revolução. Excelente!

Tuesday, August 02, 2005


Mas o favorito qual é...qual é?
Aquele que já vi 700 000 vezes?

The Oscar goes to... ...Casablanca, Michael Curtiz (1943).

Carreguem em baixo - vale a pena. Não se esqueçam é de tirar o som aos Pink martini, senão enlouquecem.


http://groovetown.co.uk/downloads/as_time_goes_by.mp3

Monday, August 01, 2005


Filmes da minha vida, I
The Postman Always Rings Twice, de Tay Garnett (1946).
Lana Turner nunca foi tão fatal; John Garfield nunca esteve tão próximo da queda. Esta história de paixão, adultério e assassínio, passada numa estação de serviço à beira duma remota estrada americana, já foi contada várias vezes, mas nunca tão bem como neste filme a preto e branco, em que a frustração e o desejo são tão fortes que adquirem textura. Um clássico do film noir à americana, já disponível em DVD.

Pygmaleon and Galatea,
Fábrica de Sèvres (1764-1773), depositada no British Museum, Londres

Pigmaleão

Pigmaleão Torres precisa desesperadamente dos outros – como caixas de ressonância, entenda-se. Tem o empenho de encontrar um lugar amável onde instalar o interlocutor. Este, lisonjeado, disponibiliza-se para ser seduzido. Ouve. Ouve e anui. Ouve e procura introduzir um comentário oportuno. Percebe que este se dilui no mar de palavras do outro e continua a ouvir enquanto fuma um cigarro. A cena repetir-se-á nas semanas seguintes, com uma regularidade que leva o interlocutor a interrogar-se se Pigmaleão não estará apaixonado por ele. E nós, frenéticos de coscuvilhice, com ele. Está-lo-á? Tudo indica que sim – os telefonemas prolongados; as pequenas lembranças; o olhar em alvo nos olhos do interlocutor quando se encontram noite dentro, num daqueles bares cujo ambiente proporciona intimidade à mais inócua das conversas. Ou dos monólogos porque o que, na verdade, se passava nesses encontros era um infindável debitar das impressões de Pigmaleão sobre a vida, a sociedade, a política, o cinema, a literatura… Whatever, o interlocutor sentia-se o mais beneficiado dos seres. Quando chegava à inevitável temática do amor e sexo, este acreditava ver confirmadas as suas suspeitas. E participava ainda com mais entusiasmo neste jogo de ilusões.
O que o interlocutor ainda não podia saber é que Pigmaleão Torres estava, de facto, apaixonado, mas apenas porque isso era o que lhe acontecia sempre que encontrava (ou julgava encontrar) uma caixa de ressonância. Ignorante dessa idiossincrasia, o outro ambicionou um destino maior e quis transformar o monólogo numa partilha. Pensou que, nessas noites de sussurros, podia expressar as suas próprias impressões sobre a vida, a sociedade, a política, o cinema, a literatura. Até sobre amor e sexo, se para tal lhe chegasse a coragem. Mas foi engano de alma ledo e cego.
No dia em que Pigmaleão descobriu, com horror, que o espelho mágico não cumpria a função, produziu-se um choque tão profundo quanto irreversível. Com o mesmo empenho que antes aplicara na sedução, decidia-se agora a estilhaçar o objecto que traíra as suas expectativas. Haveria de destruí-lo de forma tão cirúrgica que seria impossível reconstitui-lo sob que forma fosse.
Começou por enunciar, em tom paternalista, todos os defeitos graves do outro – era possessivo; azedo; desprovido de graça e dependente. O visado acreditou e pediu-lhe conselhos. Redimir-se-ia se tal lhes devolvesse o antigo enleamento. Por momentos, a insuperável vaidade de Pigmaleão quase cedeu à volúpia de só ele poder apontar o caminho da salvação, mas não tardou a recuar nesse propósito. Uma vez rebelde, sempre rebelde – o outro nunca seria uma caixa de ressonância minimamente aceitável. Queria partilhar… Mas o quê? Havia alguma coisa que se partilhasse?
E prosseguiu o seu esforço de destruição até ao ponto em que se tornou inevitável o confronto entre ambos – violento e vulgar. Quando finalmente conseguiram passar um pelo outro como se não se tivessem conhecido, puderam seguir em frente. O inábil aprendiz de Galateia soube, pelo menos, a que sabe uma desilusão e Pigmaleão Torres continua afincadamente em busca da caixa de ressonância perfeita – aquela que não o traia ou desiluda. A que beba as suas palavras como água duma fonte miraculada; a que não o interrompa com palpites e que o siga com a fidelidade duma sombra. A que lhe devolva tal e qual a imagem de si mesmo que tantos anos de trabalho custara a Pigmaleão.