Friday, September 29, 2006
A mais importante lição
Creio que já vos confessei a minha predilecção pela escritora britânica A.S.Byatt. Deixo-vos aqui um belo excerto do conto «Christ in the House of Martha and Mary», inspirado no quadro de Velásquez com o mesmo título:
«You are very young, Dolores, and very strong, and very angry. You must learn now, that the important lesson - as long as you have your health - is that the divide is not between the leisured and the workers, but between those who are interested in the world and its multiplicity of forms and forces, and those who merely subsist, worrying or yawning. When I paint eggs and fishes and onions, I am painting the godhead - not only because eggs have been taken as an emblem of the Resurrection, as gave dormant roots with green shoots, not only because the letters od Christ's name make up the Greek word for fish, and the true crime is not to be interested in.»
Monday, September 25, 2006
Friday, September 22, 2006
Thursday, September 21, 2006
Wednesday, September 20, 2006
Thursday, September 14, 2006
Poema/oração
Creio nos anjos que andam pelo mundo,/
Creio na Deusa com olhos de diamantes,/
Creio em amores lunares com piano ao fundo,/
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,/
Creio num engenho que falta mais fecundo/
De harmonizar as partes dissonantes,/
Creio que tudo é eterno num segundo,/
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,/
Na flor humilde que se encosta ao muro,/
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,/
Na ocupação do mundo pelas rosas,/
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen
Natália Correia
Wednesday, September 13, 2006
Fado do encontro
Vou andando/
Cantando/
Tenho o sol à minha frente/
Tão quente, brilhante/
Sinto o fogo à flor da pele/
Tão quente, beijando/
Como se fosses tu
Ao longe/
Distante/
Fica o mar no horizonte/
É nele, por certo/
Onde a tua alma se esconde/
Carente, esperando/
Esse mar és tu
Pode a noite ter outra cor/
E o vento ser mais frio/
Pode a lua subir no céu/
Eu já vou descendo o rio...
Na foz/
Revolta/
Fecho os olhos, penso em ti/
Tão perto/
Que desperto/
Há uma alma à minha frente/
Tão quente, beijando/
Por certo que és tu
Pode a lua subir no céu/
E as nuvens a noite toldar/
Pode o escuro ser como breu/
Acabei por T'encontrar
Vou andando/
Cantando/
Tive o sol à minha frente/
Tão quente, brilhando/
Que a saudade me deixou/
Para sempre.
Por certo/
O meu Amor és tu.
Tim
Cantado em dueto por Tim e Marisa.Do album a solo de Tim - Um e o outro.
Friday, September 08, 2006
Tuesday, September 05, 2006
O que dizer sobre um filme (um livro, um quadro, uma peça musical…) que, à partida, integramos na muito exclusiva categoria das obras-primas? Como justificar a ousadia, sobretudo quando – como é o meu caso – se desconfia deste substantivo demasiado adjectivante, pelo que contém de excesso e o, que é pior, de definitivo? E, no entanto, persisto na intenção do título desta crónica: Volver, é uma obra-prima, a primeira que me foi dada a ver em cinema nos últimos anos, talvez desde o penúltimo filme de Almodóvar, o muito aclamado Hable con Ella.
Tenho uma predilecção particular pelo realizador espanhol? Admito que sim. Gosto muito da maneira única como sempre geriu a ténue linha que separa a tragédia extrema da comédia do absurdo, mas gosto ainda mais desde que passou a ocupar-se com maior atenção do lastro agridoce que o passado vai deixando nas vidas de todos nós. Fê-lo no seu filme anterior, Má Educação, em que, como estarão recordados, abordava a amarga herança que um jovem homossexual trouxera do seminário em que fora criado. Falou-se, na altura, de ajuste de contas de Almodóvar com a Igreja Católica, mas, como sempre acontece com o seu cinema, é impossível reduzi-lo a chave tão simplista.
Volver é, se quisermos, a outra face ou o corolário lógico de Má Educação. Raimunda (Penélope Cruz) e Sole (Lola Dueñas) são duas irmãs na «casa» dos 30 anos que se mudaram para Madrid depois de uma infância numa pequena aldeia de Castilla de La Mancha, por sinal, a localidade do país em que, por causa do vento leste, se regista maior número de casos de loucura. Os pais morreram abraçados durante um dos muitos incêndios que, uma vez mais por causa dessa estranha propensão para a ventania, fustigam a região. Movidas pela responsabilidade para com vivos e mortos, as duas deslocam-se regularmente à aldeia para limpar a campa dos pais, cuidar de uma tia velha e ouvir histórias de assombrações. A mais recente sugere que quem, na verdade, trata da senhora, cega e senil, é o espírito da irmã (mãe das duas), tão lesto na limpeza do casarão como no uso de uma bicicleta de ginástica.
Superstição ou não, a verdade é que a morta (fabulosa Cármen Maura) faz tudo isto e muito mais, incluindo regressar para resolver um passado que volta sempre, independentemente das lápides que o cobrem. Mais do que reclamar justiça, volve porque aprendeu que não vale esconder o lixo debaixo do tapete. Aos 57 anos (vão longe os anos loucos da movida madrilena), Almodóvar dedica-se, assim, com a sensibilidade e a inteligência que o caracterizam, ao tema das raízes e à criatividade de Deus (ou de algo por ele) no uso das suas linhas tortas. Já o esboçara em A Flor do Meu Segredo (uma sofisticada escritora de Madrid, em plena panne criativa e conjugal, regressa ao pueblo onde nasceu para não «sentir como uma cabra sem badalo») e também em Tudo sobre a Minha Mãe (onde uma mulher irremediavelmente dilacerada pela morte do filho viaja de Madrid para Barcelona, com o objectivo de ajustar contas com esse passado que talvez não volte mas magoa indefinidamente) e desenvolveu-o amplamente em Má Educação. Com Volver, o realizador procurou – assim o afirmou em diversas entrevistas durante a preparação do filme – reconstituir a Castilla de La Mancha da sua infância, onde nos pátios dos casarões, as vizinhas sussurram experiências com o sobrenatural, acompanhadas apenas pelo zunzum de leques freneticamente agitados. Fazem-no ainda hoje (como as mães antes delas e avós antes destas), mesmo que agora (como Almodóvar mostra num dos planos mais irónicos do filme) tenham de partilhar o espaço com netas adolescentes mais interessadas na troca de SMS’s do que em manifestações do oculto. Como boa parte da filmografia do cineasta, Volver é também a homenagem a uma Espanha eterna que subsiste nas «cores de Almodóvar» de que fala a canção de Adriana Calcanhoto e na vivacidade da linguagem das mulheres, não obstante todos os índices de modernização que hoje fazem do país uma potência em crescimento. Melhor ainda: como todos os artistas que mergulham sem complexos no que é local, Almodóvar sabe ser universal. Mais do que uma homenagem à Espanha eterna, Volver constitui uma exaltação do que há de eterno na Europa mediterrânica (a que Portugal pertence, pelo menos do ponto de vista cultural). Olhamos Raimunda, a bela morena a braços com o preço da sua sensualidade, e vemos as divas do cinema clássico italiano: Loren, Cardinalli e, sobretudo Ana Magnani, como Almodóvar nos confirma no remate do filme. Estão lá: no olhar magoado, na altivez do porte, no fazer das fraquezas força. Olhamos aquelas vizinhas e reencontramos as nossas avós, de negro vestidas como a moral católica mandava às viúvas, a desfiar histórias de pasmar, pela noite dentro. A uma obra-prima não basta a excelência técnica – é preciso que implique e envolva o espectador. E Volver não é outra coisa senão o filme de todos nós.