Thursday, July 27, 2006

pintura de Georges Seurat

«Deus enrolava-nos vagarosamente/
para acabarmos entre os seus dedos./
A esse seu prazer chamou tempo/
E onde havia dor nasciam cigarros./
Pensou no fogo como sendo belo/
de modo a morrermos maravilhados.»
Paulo José Miranda, O Tabaco de Deus, pág.11;

Monday, July 24, 2006

Diários da Bósnia, de Joaquim Sapinho
Não é um grande filme mas é um documentário sério sobre o que ficou da Bósnia após uma guerra crudelíssima. Uma obra contra o esquecimento, a que, infelizmente, são tão dados os europeus. Pessoalmente, saúdo uma das poucas vezes em que um realizador português sai do rincão doméstico e se preocupa com os problemas do mundo.

Wednesday, July 19, 2006



A propósito de Os Piratas das Caraíbas, que estreia amanhã, 5ªfeira, nos cinemas de Lisboa

O cinema contribuiu para o estranho fascínio exercido, ainda hoje, pelos piratas. Em primeiro lugar porque, ao contrário do que acontece nos westerns, Hollywood atribuiu-lhes uma qualidade de contra-poder, mostrando-os como o ladrão que roubava a ladrão e que se, não obtinha cem anos de perdão, conquistava, pelo menos, a simpatia dos espectadores. Esta opção torna-se muito evidente em filmes como The Spanish Main ou em Captain Blood. No primeiro caso, Van Horn ter-se-á tornado o «terror das Caraíbas» após prolongada sujeição à tortura infligida pelo governador espanhol de Cartagena de las Indias. No segundo, Peter Blood, um médico inglês condenado à escravatura por um crime que não cometeu, torna-se, por desespero, um pirata que trata com humanidade e alguma democracia a turba que comanda. Esta representação do pirata como vítima do sistema que o marginalizou é levada às últimas consequências em Tempestade na Jamaica, de Alexander MacKendrock (1965), em que o grupo de piratas liderado pelo Capitão Chavez (Anthony Quinn) é traído pelas crianças de que tinham cuidado com inesperados desvelos.
Na maioria dos filmes do género, esta generosidade mal orientada será devidamente recompensada com a redenção. O que, para gáudio das plateias, acontece graças a uma menina tão virtuosa quanto determinada a não se submeter à abordagem do pirata. Se resistia à primeira bofetada, então é certo que o marinheiro chegaria a bom porto. Autoproclamando-se bom conhecedor da psicologia feminina, Jamie Boy (Tyrone Power, em The Black Swan), adverte a sua ruiva temperamental (Maureen O’Hara) que «em Tortuga [autêntico ninho do piratas no mar das Caraíbas], quando uma mulher esbofeteia um homem, isso significa que ela quer que ele a domine completamente e a cubra de beijos».


A propósito deste tema que, confesso, me é caro, gostaria de recomendar a leitura de Os Piratas - Piratas, Flibusteiros, Bucaneiros e outros Párias do Mar (edição Antígona). Da autoria do ensaista francês, Gilles Lapouge, é um texto cativante sobre a pirataria, quer do ponto de vista historiográfico, quer ensaistico. Para além de evocar as muitas aventuras de temíveis criaturas como o Capitão Morgan ou Anne Bonnie, esta obra reflecte de forma muito bela sobre este fenómeno: «O pirata é um homem descontente. O espaço que lhe consentem a sociedade ou os deuses parece-lhe exíguo, nauseabundo, desconfortável. Sujeita-se por uns breves nos e depois diz "estou farto" e recusa-se ao jogo».

Thursday, July 13, 2006



Arte russa em Bilbao

Bilbao está ao «virar da esquina» (não estou a brincar, a Iberia tem, de facto, umas tarifas muito convidativas) e a exposição «!Russia», patente até 3 de Setembro no Guggenheim, vale a viagem. Dos ícones medievais à actualidade, passando pela interpretação da tradição pictórica europeia nas cortes dos primeiros Romanov e pela arte do período revolucionário, muito há para ver numa viagem que demora uma tarde bem passada.



Flannery O'Connor
(1925-1964)
«Oiça Mr Shiflet», disse ela, «o meu poço nunca seca e a minha casa está sempre quente no Inverno e nada neste sítio está penhorado. Vá ao tribunal e veja por si próprio. E debaixo daquela cabana tem um belo automóvel» estendeu o isco com cautela. «Pode tê-lo pintado até Sábado. Eu pago a pintura».
Na escuridão, o sorriso de Mr. Shiflet esticou-se como uma cobra fina a acordar junto a uma fogueira. Ao fim de um segundo recompôs-se e disse, «Estou só a dizer que o espírito de um homem vale mais para ele do que qualquer outra coisa. Teria que levar a minha esposa a passear pelo menos um fim de semana, sem me preocupar com os custos. Preciso de seguir o meu espírito para onde ele quer ir».
Flannery O'Connor, Um Bom Homem é difícil de Encontrar, pág. 23;

Tuesday, July 11, 2006

A vida secreta das palavras
Almodóvar à parte, o cinema contemporâneo espanhol não goza de grande popularidade entre nós. Juntemos-lhe o burburinho causado pelo Mundial e é de prever que o belíssimo filme de Isabel Coixet, A Vida Secreta das Palavras, passe despercebido. E é pena e é injusto, sobretudo para quem não se der ao trabalho de o ir ver. Com mão seguríssima, a realizadora conta uma história (ou várias numa só) de prova e redenção sem glosar lugares-comuns capazes de arrancar lágrimas fáceis ao espectador.
A acção decorre numa plataforma de petróleo filmada como ilha para onde caminham todos os que levam ao limite o desejo de serem deixados em paz porque o passado, um qualquer segredo do passado, os faz abominar a vida em sociedade. A partilha desse aparente estado de desgraça levará Hannah a nomear a besta que a tem aprisionada há anos e a atingir, através da vida plenamente atingida, a redenção. Não esquece, não perdoa - perceber-se-á no final - mas atinge a pacificação e prossegue, plantando sobre as cinzas. Com ela, leva Josef (Tim Robbins, mais uma vez excelente nesta personagem contida e uinfinitamente generosa). A não perder!

Thursday, July 06, 2006

Monday, July 03, 2006



Graças a este homem - Ricardo, 30 anos, nado e criado no Montijo - a minha geração já tem uma história para contar, equiparável aos mil vezes reconstituídos dramas protagonizados pelos magriços de 66. É disto que gosto no futebol: a sua capacidade de criar grandes histórias, em que rapazes humildes se elevam da sua banal condição para a de lendas vivas. Uma espécie de versão masculina da Gata Borralheira.