A propósito de Os Piratas das Caraíbas, que estreia amanhã, 5ªfeira, nos cinemas de LisboaO cinema contribuiu para o estranho fascínio exercido, ainda hoje, pelos piratas. Em primeiro lugar porque, ao contrário do que acontece nos westerns, Hollywood atribuiu-lhes uma qualidade de contra-poder, mostrando-os como o ladrão que roubava a ladrão e que se, não obtinha cem anos de perdão, conquistava, pelo menos, a simpatia dos espectadores. Esta opção torna-se muito evidente em filmes como
The Spanish Main ou em
Captain Blood. No primeiro caso, Van Horn ter-se-á tornado o «terror das Caraíbas» após prolongada sujeição à tortura infligida pelo governador espanhol de Cartagena de las Indias. No segundo, Peter Blood, um médico inglês condenado à escravatura por um crime que não cometeu, torna-se, por desespero, um pirata que trata com humanidade e alguma democracia a turba que comanda. Esta representação do pirata como vítima do sistema que o marginalizou é levada às últimas consequências em
Tempestade na Jamaica, de Alexander MacKendrock (1965), em que o grupo de piratas liderado pelo Capitão Chavez (Anthony Quinn) é traído pelas crianças de que tinham cuidado com inesperados desvelos.
Na maioria dos filmes do género, esta generosidade mal orientada será devidamente recompensada com a redenção. O que, para gáudio das plateias, acontece graças a uma menina tão virtuosa quanto determinada a não se submeter à abordagem do pirata. Se resistia à primeira bofetada, então é certo que o marinheiro chegaria a bom porto. Autoproclamando-se bom conhecedor da psicologia feminina, Jamie Boy (Tyrone Power, em
The Black Swan), adverte a sua ruiva temperamental (Maureen O’Hara) que «em Tortuga [autêntico ninho do piratas no mar das Caraíbas], quando uma mulher esbofeteia um homem, isso significa que ela quer que ele a domine completamente e a cubra de beijos».
A propósito deste tema que, confesso, me é caro, gostaria de recomendar a leitura de
Os Piratas - Piratas, Flibusteiros, Bucaneiros e outros Párias do Mar (edição Antígona). Da autoria do ensaista francês, Gilles Lapouge, é um texto cativante sobre a pirataria, quer do ponto de vista historiográfico, quer ensaistico. Para além de evocar as muitas aventuras de temíveis criaturas como o Capitão Morgan ou Anne Bonnie, esta obra reflecte de forma muito bela sobre este fenómeno: «O pirata é um homem descontente. O espaço que lhe consentem a sociedade ou os deuses parece-lhe exíguo, nauseabundo, desconfortável. Sujeita-se por uns breves nos e depois diz "estou farto" e recusa-se ao jogo».